20:25 23.06.2025 (atualizado: 21:12 23.06.2025)

© Sputnik / Aleksei Nikolsky
Enquanto
as estruturas de governança global criadas após a Segunda Guerra
Mundial demonstram cada vez menos força frente aos desafios mundo afora,
o BRICS se tornou sinônimo de resistência à hegemonia ocidental dentro
desse sistema. E fazer parte do grupo é um gesto de alinhamento com o
novo mundo multipolar?
Quase 40% do produto interno bruto (PIB), 26% do comércio global e 72% das reservas de terras raras. Para além dos números que mostram a expressividade econômica no mundo, o BRICS tem sido cada vez mais associado à força do Sul Global frente a instituições até então dominadas pela hegemonia ocidental, principalmente Estados Unidos e Europa.
Desde a expansão histórica em 2023 — quando seis novos membros foram anunciados e houve a criação da categoria de países parceiros no ano passado —, a lista de nações interessadas em fazer parte do grupo só cresce.
E estar próximo do BRICS atualmente é um gesto simbólico de alinhamento ao novo mundo multipolar?

Ontem, 18:00
Isabela
Rocha, pesquisadora do Instituto de Ciência Política e Relações
Internacionais da Universidade de Brasília (Ipol/UnB) e presidente do
Fórum para Tecnologia Estratégica dos BRICS, diz que sim ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, e ressalta a importância de ampliar o grupo em meio à sub-representatividade de nações da Eurásia, África, Ásia e América Latina nos fóruns ligados à Organização das Nações Unidas (ONU) e outras entidades hegemônicas globais.
"Vemos
que o arranjo internacional está falido e não funciona mais, mas os
países continuam e precisam negociar. O Sul Global precisa se promover
internacionalmente, e esse espaço é cada vez mais restrito quando olhamos para as instituições mais tradicionais que, de fato, não resolvem nada", resume.
18 de junho, 16:14
Para a especialista, um dos principais papéis do BRICS — que atualmente conta com 12 países membros e nove países parceiros
— é justamente fazer essa contraposição. "Ainda que o objetivo não seja
fazer oposição [às entidades de governança global], é muito importante
que existam outros caminhos diplomáticos, e o BRICS está aí para isso."
"Vimos, por exemplo, a Rússia ser muito penalizada no cenário internacional por conta do conflito na Ucrânia,
enquanto um país como Israel, que comete genocídio na Faixa de Gaza e
ainda atacou o Irã, não sofre nada. Na verdade, é uma questão. O
Ocidente pune deliberadamente aqueles que não se alinham aos seus interesses", frisa.
Qual é o status atual do BRICS?
Para
a especialista, com a primeira ampliação do grupo desde a entrada da
África do Sul em 2011 após quase 14 anos, o BRICS passa por um processo de institucionalização e, por conta disso, possui até mais liberdade de atuação por não se definir como bloco tradicional, ao contrário de casos como União Europeia e Mercosul, por exemplo.
"Até
porque eu imagino que as coisas ficariam mais complicadas com uma
infraestrutura burocrática e supersecretários. A despeito de possuir as
presidências anuais [atualmente nas mãos do Brasil], o BRICS ainda tem
muito o que fazer […]. Tem a questão do Novo Banco de Desenvolvimento
[NBD], que tem feito intermediações econômicas pensando
em grandes projetos, mas que ainda tem muito a ser desenvolvido no
contexto do BRICS. Outro caso é o BRICS Pay, que está para sair e vai
ser um sistema financeiro entre os países sem depender do dólar", cita.
Com relação à presidência brasileira no grupo, cuja cúpula acontece no próximo mês no Rio de Janeiro, a especialista avalia a condução como moderada diante do que tem sido feito até aqui.
"Não
é uma presidência muito proativa, e sinto que isso acontece até por
decisão estratégica, porque nossa diplomacia é muito boa. O Brasil tomou a decisão deliberada de ter uma presidência mais morna. Somos muito moderados no cenário internacional", afirma.
Já o pesquisador do Núcleo de Estudos dos Países BRICS (NuBRICS) Fernando Goulart
acrescenta ao podcast que uma característica do Brasil é o pragmatismo
no xadrez geopolítico global. Diante disso, o país vê os grupos e blocos
em que faz parte como complementares, conforme o especialista.
"Você acaba tendo a questão do acordo [do Mercosul] com a União Europeia, que levou 25 anos para ficar pronto
[ainda em processo de finalização por conta de divergências com a
França]. Mas ele não exclui fazer acordos com China, Rússia, Índia,
Etiópia, Emirados Árabes Unidos, enfim. O Brasil é muito bom em exercer esse soft power."

20 de junho, 19:35
BRICS e um mundo além do Atlântico
Nos
últimos 30 anos, a força econômica global tem migrado para além da
região do Atlântico, pontua Goulart. Um exemplo, segundo o especialista,
é a consolidação da Iniciativa Cinturão e Rota da China,
que tem levado grandes projetos de infraestrutura em dezenas de países
para ampliar a comercialização por meio do oceano Pacífico, incluindo membros e parceiros do BRICS.
"E
é por isso que a economia na região do Pacífico tem crescido de forma
muito robusta, e essas parcerias têm se consolidado também com esse novo
eixo na China, Rússia e Índia."
"Além disso, o Sul Global começa a jogar o jogo industrial de uma forma mais robusta.
Ele não é só fornecedor de matéria-prima, mas consegue desenvolver
tecnologia e até competir com esses países que eram o centro da economia
até então, ou seja, Europa Ocidental e Estados Unidos […]. O que o BRICS busca é parceria sem subjugar ninguém, ao contrário desses países", resume, ao lembrar que ainda há diversas políticas de incentivo à ampliação industrial na região.
BRICS e os novos países parceiros: o que esperar?
No
ano passado, durante a cúpula do BRICS em Kazan, na Rússia, foi
anunciada a criação de uma nova categoria no BRICS, de países parceiros,
que participam das discussões e cooperações promovidas pelo grupo. Além
de Cuba e Bolívia, fazem parte dela Belarus, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã. Com diferentes configurações políticas e econômicas, o que essas regiões podem oferecer?
Para a pesquisadora Isabela Rocha,
os benefícios vão desde a cooperação na área da saúde até minerais
raros. No caso da Bolívia, por exemplo, ela cita as reservas
significativas de lítio no país, cruciais para o desenvolvimento de baterias e a transição energética.
"Para
além dessas questões materiais, a Bolívia tem uma postura
anti-imperialista que faz falta no Sul Global. Muitas vezes vemos países
com medo de bater de frente com as hegemonias ocidentais, e quando olhamos para a Bolívia, enxergamos um país que tem coragem", afirma.

25 de fevereiro, 13:47
Já em relação à Cuba, Rocha cita os avanços médicos, principalmente na área de biotecnologia. "Poucos países do mundo são tão avançados como Cuba.
Foi o primeiro país do mundo que eliminou a transmissão de HIV de mãe
para filho, por exemplo. Como eles sofrem sanções há muitos anos, a
medicina acabou muito humanizada, o que ajuda nesse processo."
Outros
países que podem agregar com suas reservas minerais, de acordo com a
pesquisadora, são Cazaquistão, Uzbequistão, com urânio, além de uma
localização estratégica na Eurásia. "Já Uganda tem um solo muito fértil,
com a possibilidade de uma indústria de agricultura forte, capaz de
alimentar o mundo. Na Tailândia, temos um setor automotivo muito
importante."
É também no setor do agro que o analista internacional e historiador João Cláudio Pitillo cita como potencial contribuição as tecnologias desenvolvidas por Belarus, que, juntamente com a Rússia, é um potencial produtor de fertilizantes.
"Muitos
países do BRICS sofrem com insegurança alimentar por conta da
dificuldade na produção de alimentos. E Rússia e Belarus podem fornecer
essa expertise que foi adquirida lá atrás com a União Soviética […].
Ainda há a possibilidade de cooperação técnico-militar", finaliza, ao
lembrar que o Irã chegou a propor a criação de um conselho de segurança
dentro do BRICS para auxiliar os países a gerir esse setor.
Fonte: https://noticiabrasil.net.br/20250623/sul-global-em-ascensao-brics-e-simbolo-de-um-novo-alinhamento-geoestrategico-40690924.html
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