
A situação no Médio Oriente parece-se, cada vez mais, com a invasão do Iraque em 2003. Antes, era a ameaça das armas de destruição maciça; agora, a ameaça das armas nucleares. Antes, era o regime de Sadam Hussein que impedia o avanço da democracia; agora, é o regime teocrático dos Aiatolás que ameaça o mundo. Antes, tinham provas das armas de destruição maciça, provas irrefutáveis: “eu vi as provas em Londres” dizia um antigo primeiro-ministro português. As armas nunca existiram. Agora têm igualmente provas da ameaça nuclear: o relatório da agência internacional de energia atómica refere que “não tem certezas que o programa nuclear iraniano seja exclusivamente para fins pacíficos”, o que constitui prova suficiente de que o Irã pode fabricar uma bomba nos próximos sete dias. A guerra está justificada.
Quem assiste aos programas das televisões europeias fica com a sensação que aquela gente sabe tudo, sobre todos os assuntos e sobre toda a gente. E, no entanto, há pelo menos duas coisas que nunca são referidas. Primeiro: quantos países não assinaram o tratado de não proliferação de armas nucleares? Resposta: quatro. A Índia, o Paquistão o Sudão do Sul e Israel. Sim, leram bem, Israel. Estão a pedir-nos, portanto, que acreditemos que um país que nunca assinou o tratado de não proliferação está honestamente preocupado com a segurança mundial. Não, não está. Está preocupado, isso sim, com a manutenção da sua hegemonia militar na região. É exatamente o apoio a este tipo de hipocrisia, que disfarça o interesse com moralidade, que compromete a credibilidade ocidental.
Segunda pergunta. Há quanto tempo diz Israel que o Irã está perto de ter armas nucleares? Resposta: há trinta anos. A primeira vez que Netanyahu fez tal afirmação foi em 1992. Podem dizer que agora é que estão certos, mas não há dúvida que estiveram errados durante décadas. Com a devida licença dos mais temerosos, já é tempo de olhar para estas afirmações com a reserva que merecem. Pior ainda: todos vimos que, no momento do ataque, os Estados Unidos estavam a negociar com o Irã, o que torna impossível afirmar que as soluções diplomáticas estavam esgotadas. Não estavam. A guerra, desencadeada por Israel, não foi uma opção de último recurso. Exatamente ao contrário: o recurso à força foi usado justamente para impedir qualquer solução negociada.
Em 2003, a Europa opôs-se com coragem à invasão do Iraque (a maioria dos Estados Membros, não todos). Liderada pela França, e com o apoio da Alemanha, a velha Europa (como os Estados Unidos, desdenhosamente, lhe chamaram) enfrentou os americanos no Conselho de Segurança, sustentando que a solução diplomática não estava esgotada e insistindo que a mudança de regime no Iraque só traria mais caos à região. Vinte anos depois, a invasão do Iraque continua a ser um motivo de orgulho (e de inspiração) para quem teve a coragem de a criticar. Infelizmente, essa velha Europa já não existe. A Presidente da Comissão Europeia, a alemã von der Leyen, declarou que Israel tem direito a se defender (como se este fosse o atacado, não o atacante). O chanceler alemão, já sem qualquer preocupação com a linguagem, declarou que “Israel esáa a fazer o trabalho sujo do Ocidente”. Por último, o Presidente do Conselho Europeu aproveitou a oportunidade para visitar Trump e oferecer-lhe uma camisa de Ronaldo. Eis o que resta de uma política externa de quem um dia ambicionou ser a potência “normativa” do mundo. Hoje, vinte anos depois da guerra do Iraque, a Europa já não é. A Europa deixou de ser.
PS- Li, agora mesmo, a notícia do envolvimento dos Estados Unidos na guerra com o Irã. A China pergunta se os Estados Unidos estão a “repetir o erro do Iraque no Irã”. A Inglaterra diz que os ataques “ajudam a reduzir a ameaça do programa nuclear iraniano”. A pergunta de um ocidental: afinal, quem defende o direito internacional e a Carta das Nações Unidas?
Fonte: https://iclnoticias.com.br/invasao-do-iraque-e-a-europa-do-ataque-ao-ira/
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