O
desencadeamento do golpe dos ricaços pelos presidentes do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para
dar início ao "sangramento" de Lula com vistas às eleições de 2026 tem
como pano de fundo o avanço da Polícia Federal (PF) na investigação
determinada pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal
(STF), sobre suspeitas de ilegalidades em 5.449 emendas parlamentares
assinadas por 17 líderes partidários feitas sem aprovação dos colegiados
que somam um montante de R$ 4,2 bilhões.
SAIBA MAIS:
Motta e Alcolumbre fogem de debate sobre emendas após recado de Flávio Dino
Berzoini sugere que emendas do Congresso tem "cashback" de até 40%
Segundo
informações obtidas pela Fórum, a PF já teria uma lista de cerca de 80
nomes, que incluem lideranças de partido e parlamentares graúdos da
Câmara e do Senado, que estão na mira dos agentes da PF em investigações
sobre supostos casos de corrupção nas bases eleitorais.
A
investigação teve início em 23 de dezembro de 2024 por determinação do
ministro Flávio Dino "em face do grave teor das manifestações do Senador
Cleitinho Azevedo e dos deputados federais Adriana Ventura, José Rocha e
Glauber Braga" sobre as suspeitas de irregularidades nas emendas.
O
avanço das investigações da PF lançou pânico sobre congressistas que
operavam o chamado orçamento secreto, que foi implantado durante o
governo Jair Bolsonaro (PL), que tinha como ministro da Casa Civil o
senador Ciro Nogueira (PP-PI) e a Câmara era presidida por Arthur Lira
(PP-AL).
Nogueira seria um dos articuladores, juntamente com
Antônio Rueda, que comanda o União Brasil. As duas siglas se uniram em
abril em uma federação em abril, que hoje conta com a maior bancada na
Câmara, com 104 deputados, além de 14 senadores.
Na terça-feira
(24), os dois se reuniram com os presidentes do Republicanos, Marcos
Pereira, e do MDB, Baleia Rossi, horas antes de Motta anunciar que
colocaria na pauta o projeto de Zucco (PL-RS), que comanda a bancada
bolsonarista, para derrubar o decreto de Lula com mudanças no Imposto de
Operações Financeiras (IOF) - aprovado a toque de caixa nas duas casas
legislativas.
STF
Após
dar as primeiras estocadas no governo, Motta e Alcolumbre se voltaram
contra Flávio Dino e chegaram a se inscrever na audiência pública que
aconteceu nesta sexta-feira (27) no Supremo Tribunal Federal (STF) para
debater a regulamentação das emendas. Mas fugiram diante da argumentação
do ministro, que derrubou o discurso de "interferência" do judiciário
no legislativo.
"Temos um sistema constitucional a ser [debatido]
ou modificado pelo Congresso, que pode fazê-lo a qualquer tempo, salvo
em relação à forma federativa de Estado. Todos os outros elementos podem
ser revogados pelo Congresso Nacional no momento que quiser. Se o
Congresso Nacional quiser tirar a responsabilidade fiscal da
Constituição, pode tirar. Se o Congresso quiser tirar o presidencialismo
da Constituição, pode tirar. Assim como também pode
desconstitucionalizar o devido processo legal orçamentário", afirmou.
"Mas,
enquanto estiver na Constituição, não se cuida de uma invasão do
Supremo, e, sim, de um dever. Se nós temos normas constitucionais que
estão, aparentemente, em dissonância, a harmonização de tais normas é
uma atividade tipicamente jurisdicional em todos os países do mundo [e]
enquanto o Brasil for regime democrático. Portanto, não há nenhum
intuito de usurpação de atribuições de outros Poderes", emendou Dino.
Enquanto Dino destruía as alegações de Motta e Alcolumbre, a Polícia Federal saiu às ruas para cumprir a 4ª fase da operação Overclean, criada a partir do pedido do ministro para investigar irregularidades nas emendas parlamentares.
No
caso, a PF investiga um suposto esquema de corrupção estruturado sob
emendas parlamentares enviadas pelo deputado federal Félix Mendonça
(PDT-BA) aos prefeitos de Ibitanga, Humberto Raimundo Rodrigues de
Oliveira (PT), e Boquira, Alan Machado (Podemos).
A ação foi um
recado de que a orientação é que a PF não poupe nem mesmo partidos
aliados do governo e até mesmo membros da atual gestão que integravam o
Congresso, como foi o caso de Juscelino Filho (União Brasil), demitido
do Ministério das Comunicações após ser denunciado por suspeitas de
corrupção no direcionamento de emendas para o município de Vitorino
Freire (MA), cuja prefeita, à época, era sua irmã.
Segundo
apuração da Fórum, os investigadores teriam chegado em nomes graúdos do
PP, de Nogueira e Lira, do União, de Rueda, e do MDB, partido de Michel
Temer que trabalhou em 2015 para a imposição do pagamento de emendas -
que está na origem do chamado "orçamento secreto".
Cashback de até 40%
Em
entrevista ao Fórum Onze e Meia desta sexta-feira, o ex-deputado
federal e ex-ministro Ricardo Berzoini afirmou que existe em Brasília a
suspeita de que emendas parlamentares apresentadas por deputados tenham
um "cashback" de até 40%.
Berzoini disse que o Congresso hoje é
majoritariamente um grande balcão de negócios, em que os deputados
operam com a perspectiva de "investir" R$ 80 milhões por ano, ajudando
com isso a financiar suas campanhas de reeleição.
"Se pegar os
registros da imprensa da época [2013, 2014], eu fui um dos caras que
mais bateram no absurdo que é a emenda impositiva. Eu participei da
Comissão Especial, eu obstruí os trabalhos na Comissão Especial. A
emenda impositiva distorce a relação entre o poder Executivo e o
Legislativo, mesmo se fosse parlamentarismo. Porque no parlamentarismo o
Parlamento forma o gabinete com participação do presidente ou do rei ou
da rainha ou não, mas forma o gabinete Depois, quem executa o Orçamento
é o gabinete, não é o Parlamento. E no caso do Brasil, que não é
parlamentarismo, a existência de emenda parlamentar já é um escárnio".
O
ex-deputado disse ter comparecido nesta sexta-feira a um congresso de
trabalhadores dos Correios e sugerido que, com a Central Única dos
Trabalhadores, se faça uma campanha para aprovar o fim das emendas
parlamentares.
"O Congresso hoje é um conjunto de gabinetes e
empresas, que cada uma tem um orçamento de 80 milhões de reais. [...]
Congresso está virando uma holding de 513 gabinetes da Câmara e 81 no
Senado e cada um gerencia 80 milhões, sem contar outros mecanismos
orçamentários que eles usam. Eu fui deputado por 16 anos e tive emenda
parlamentar. Eu usei as emendas parlamentares, mas usei dentro daquilo
que eu entendo que é o correto, que é levar mais Saúde para os
municípios, levar mais Educação. Hoje, o pessoal faz emenda parlamentar
para financiar show. Há quem diga, não tenho prova, mas há quem diga que
emenda parlamentar de show tem cashback de 40%", afirmou.
Berzoini
disse que muitos gabinetes trabalham diretamente com empreiteiras ou
fornecedores dos governos municipais e que isso precisa ser debatido com
os eleitores.
"Vamos discutir esse assunto, talvez o Parlamento
brasileiro deixe de ser um local de negociatas. Veja bem, eu acompanhei
como sindicalista a CPI do orçamento, dos anões do orçamento. Eram
anões, hoje são gigantes. É preciso debater isso".
Esquema floresceu depois do impeachment de Dilma
Para Berzoini, a hipertrofia do Congresso floresceu com o ex-deputado Eduardo Cunha, depois do impeachment de Dilma Rousseff.
"A
culpa de ter essa hipertrofia é do golpe contra Dilma e da eleição do
Bolsonaro. O Bolsonaro, como tinha uma dificuldade muito grande de lidar
com isso, muito maior que a nossa dificuldade, ele colocou o Círio
Nogueira da Casa Civil e a Flávia Arruda na Secretaria de Governo para
operar o orçamento secreto", afirmou.
Para Berzoini, o
ex-presidente da Câmara, Arthur Lira, relator do projeto do governo Lula
que, se aprovado, isentará os brasileiros que ganham até 5 mil reais do
Imposto de Renda, provavelmente tem uma demanda específica.
Lira adiou a apresentação de seu relatório supostamente para negociar.
"Ele
vai ter que fazer o relatório. Mas ele é o useiro e vezeiro de ficar
fazendo relatório de coisa que interessa ao governo para negociar alguma
coisa. Em 2014, eu era da Secretaria de Relações Institucionais ou
secretário de Governo. E ele era presidente da Comissão de Constituição e
Justiça [da Câmara]. E ele se autonomeou relator da recriação da CPMF,
que a Dilma propôs. E ele sentou em cima. E ficou claro para mim que ele
queria negociar contrapartidas. Certamente ele vai esticar essa corda o
quanto ele puder para negociar contrapartidas. Quais são? Eu não sei",
disse o ex-ministro.
De acordo com Berzoini, ser líder partidário é hoje muita mais vantajoso do ponto-de-vista econômico.
"Os
líderes manipulam o poder de indicação, os líderes podem ter R$ 150
milhões, R$ 200 milhões [em emendas] não que tenham, mas podem chegar a
isso. Então, o deputado que está na ativa tem um gabinete, ele tem tempo
livre, passagem aérea, verba pra comunicação. Como é que uma pessoa que
não é parlamentar concorre? Eu falo que eu fui parlamentar por quatro
mandatos, é claro que tem uma vantagem pra quem já é. Mas essa vantagem
não pode ser tão discrepante assim. Se não, na próxima eleição o índice
de renovação vai cair ainda mais".
Cunha de volta através da filha
Sobre
a volta de Eduardo Cunha aos bastidores da política, Berzoini faz outra
denúncia, a de que o ex-presidente da Câmara, cassado, atua diretamente
através do gabinete da filha.
"Acho que o Cunha é um homem de
negócios. Então ele faz o que é melhor pra ter o resultado. A filha dele
é deputada federal. Também dizem, não tenho provas, que quem manda no
gabinete é ele. Quem opera as estratégias do mandato é ele. Ele está
operando pesadamente na política nacional. Claro que ele não tem mais o
poder que teve lá entre 2013 e 2016, como líder do MDB e depois
presidente da Câmara", afirmou.
Berzoini lamentou a baixa
qualidade dos congressistas, apontando que a "referência" do Congresso
hoje é o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira. Disse que o presidente
da Câmara, Hugo Motta, colocou como relator da derrubada do IOF, "de
sacanagem", o Coronel Chisóstomo (PL-RO).
"Foi um voto totalmente
demagógico, sem nenhuma conexão com a realidade. Em alguns momentos
parecia até que ele era um deputado revolucionário, pela força que ele
leu o relatório, que não foi ele que escreveu. Alguém escreveu para ele
aquele relatório".
Para Berzoini, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, opera com a mesma lógica de Motta.
"O
senador que se insurgir contra o Alcolumbre vai ter dificuldades para
acessar a parcela [das emendas] que ele manipula. Então é isso, o
Parlamento vira o que? Um balcãozão de negócios. Vocês lembram da
votação das Diretas Já. Como é que a ditadura operou? Não foi só na
truculência. A votação da reeleição do Fernando Henrique, naquela época,
foi [na base] da mala. A denúncia veio da própria base do governo. E a
imprensa divulgou. Agora não precisa nem de mala. Aliás, na votação do
impeachment da Dilma, isso também ocorreu aqui em Brasília fortemente.
Um certo hotel tinha praticamente um andar só de tesouraria".