Repetidamente,
os Estados Unidos se movem para impedir que nações ao redor do mundo
ganhem proeminência no cenário global. Por aqui no Brasil a situação não
é diferente, conforme já explicitaram diversos analistas do governo e
independentes. Mas por que Washington teme tanto um Brasil forte? O que
está por trás do projeto de poder dos EUA?
Desde entraves ao desenvolvimento da nossa indústria a bloqueios em transferências de tecnologias essenciais de Defesa,
como o submarino nuclear, os Estados Unidos parecem querer manter o Brasil dentro de uma
ordem geopolítica muito clara.
Mais do que parecer, diz Williams Gonçalves,
professor titular de relações internacionais da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), essa é a "determinação estratégica do projeto
de poder" dos Estados Unidos desde pelo menos a Segunda Guerra Mundial.
2 de abril, 13:15
"A
hegemonia dos EUA no pós-guerra foi construída a partir de uma
concepção estratégica bem ampla", afirma Gonçalves. "Na Europa, a base
era a Alemanha, converter a Alemanha numa aliada importante e distante da Rússia. De outro lado, na Ásia, o Japão. O Japão é uma base importante do poder norte-americano."
"E
na América Latina, a base da hegemonia foi teoricamente elaborada da
seguinte maneira: não pode haver uma grande potência nas Américas que
concorra com os Estados Unidos."
Brasil: condão para ser 'grande potência'
O Brasil é o país da América Latina, em especial da América do Sul, que mais tem potencial "para se tornar uma grande potência", sublinha Gonçalves.
"Tem
dimensão, população, recursos naturais e coesão social, todos os
fatores que permitem que o Brasil possa se tornar uma grande potência."
Para Thiago Rodrigues,
cientista político e professor no Instituto de Estudos Estratégicos da
Universidade Federal Fluminense (Inest/UFF), os Estados Unidos não são
contra a totalidade do desenvolvimento econômico brasileiro.
"Nos
últimos 20 anos, por exemplo, esse crescimento do Brasil, inclusive do
ponto de vista da sua liderança estratégica na região, complementou os
interesses dos Estados Unidos", afirma Rodrigues. Até então, o país
serviu como ponto de equilíbrio e moderação regional "entre os governos contrários aos EUA."
25 de março, 20:43
Além disso, ressalta o pesquisador, o desenvolvimento econômico brasileiro não se dá de forma independente.
"Há
interesses do capital de origem estadunidense no Brasil", afirmou.
Dentro da lógica globalizada assimétrica, diz, "o Brasil depende muito
mais dos Estados Unidos do que os Estados Unidos do Brasil, então o
crescimento brasileiro, nesse modelo de assimetria, também favorece os
Estados Unidos."
Nesse
sentido, há espaço para que as elites brasileiras se beneficiem da
subserviência aos interesses norte-americanos, aponta Gonçalves.
"As elites dirigentes do Brasil se conformam docemente a essa posição subalterna."Assim, na visão do professor da UFF, o país se encontra dividido politicamente entre uma centro-esquerda democrática e uma "direita e extrema-direita neoliberais e entreguistas".
"O liberalismo na América Latina vai sempre contra a integração, ele tem um espírito colonial."
EUA embargam indústria de Defesa brasileira
Não
é porque há ganhos dos EUA em nosso desenvolvimento que os
norte-americanos não o impeçam quando necessário. Um desses exemplos é
a indústria de Defesa brasileira, que se bem articulada e desenvolvida poderia rivalizar com os Estados Unidos na região.
"Um Brasil desenvolvido do ponto de vista tecnológico, no setor de defesa, tem impactos econômicos e geopolíticos que não interessam para um país como os Estados Unidos, que têm uma dominância estratégica na região", diz Rodrigues.
O
complexo militar industrial norte-americano é peça fundamental do seu
sistema econômico, descreve o pesquisador da UFF, então a criação de
concorrentes em outros países não interessa aos norte-americanos. "Do ponto de vista econômico, significa perder contratos das empresas do setor de Defesa dos Estados Unidos."
É o caso, por exemplo, das
vendas do avião brasileiro Super Tucano para a Venezuela.
Como o modelo usa certas partes que contêm tecnologia estadunidense, a venda foi embargada pelos EUA.
29 de março, 16:45
O caso da Defesa, aponta Rodrigues, representa os dois âmbitos de dominação norte-americana na região, o econômico e o geopolítico.
Em
primeiro lugar, sendo o maior vendedor de armamentos militares para o
restante da América, os Estados Unidos conseguem impor seu modelo de
vendas: os pacotes de ajuda militar, como foi o Plano Colômbia e a Iniciativa Mérida, dois acordos de segurança e combate ao narcotráfico.
"São
grandes pacotes de ajuda militar que são destinados a fazer uma espécie
de investimento indireto do Estado americano na sua própria economia de
defesa."
Esses pacotes "entregam dinheiro para outros países, mas há condições nesses contratos para que o equipamento comprado de defesa seja de indústrias americanas", explicou.
Já a dominação geopolítica, afirma Rodrigues, se dá da seguinte forma: "[…] como os países só têm os EUA para recorrer em suas compras de Defesa,
eles se tornam dependentes das tecnologias que os Estados Unidos
queiram oferecer e não podem estabelecer seus próprios projetos
nacionais."
2 de fevereiro, 17:01
Brasil é líder em autonomia no Sul Global
Para ambos os especialistas, o Brasil ocupa certa posição de liderança global nas movimentações por autonomia frente à hegemonia norte-americana. Segundo Williams Gonçalves, isso é exemplificado pelas conexões feitas pelo país com o BRICS e o restante do Sul Global.
Já
para Thiago Rodrigues, o que confere maior destaque global ao Brasil
não é sua luta pela criação de novos espaços de autonomia que não se contrapõem de maneira rígida ao Norte Global.
"Não é ser totalmente dependente da hegemonia global estadunidense e também não é ser uma potência contra-hegemônica. É aumentar espaços de autonomia dentro da atual arquitetura hegemônica do planeta", descreveu.
Dessa
forma, diz o professor da UERJ, é de fato um líder com capacidade de
globalizar sua influência em alguns temas, "como cooperações em energia, sistemas eleitorais, saúde pública, políticas públicas de adaptação, agricultura adaptada e outros".
"São dimensões que o Brasil tem capacidade e já desenvolve com idas e vindas esse potencial na África, na América Latina."
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