© AP Photo / Fernando Vergara
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No próximo domingo (7), toma posse na Colômbia o primeiro presidente da história do país identificado com a esquerda, Gustavo Petro. Essa nova etapa pode impactar diretamente nas relações com o Brasil e com a América do Sul. A Colômbia tem a quarta maior economia da América Latina, atrás apenas de Brasil, México e Argentina.
Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil analisam os impactos da chegada de Petro à presidência na América do Sul e as oportunidades de cooperação que se abrem com esse novo momento. Para eles, o Brasil, que tem os colombianos como o 20º maior parceiro comercial — com um superávit de US$ 976,2 milhões (cerca de R$ 5,09 bilhões) —, deve ser afetado pelas mudanças no país vizinho.
Analistas apontam que o mandatário, eleito pela coalizão Pacto Histórico ao lado da vice Francia Márquez, tem como principal desafio retomar e concluir o processo de paz no país, interrompido durante o governo de Iván Duque, e deve buscar uma reorientação na política externa, tornando-a menos voltada para os Estados Unidos. A normalização das relações com a Venezuela é um sinal bem claro disso.
A cerimônia de posse já indica as dificuldades nas relações entre o governo Petro e o governo Jair Bolsonaro (PL) e o caminho aberto caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vença as eleições de outubro deste ano. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o ex-ministro Aloizio Mercadante (PT), coordenador do programa de governo de Lula, e o líder social Guilherme Boulos (Psol) estarão presentes no evento. O presidente brasileiro e o seu vice, Hamilton Mourão (Republicanos), decidiram não ir. O país será representado na ocasião pelo chanceler Carlos França.
Sulamericanização
A "sulamericanização" da política externa colombiana pode beneficiar a construção de processos de integração regional, fortalecendo o subcontinente, conforme aponta Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais (Irel) da Universidade de Brasília (Unb) e coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (Nel) da instituição.
"Petro vai buscar 'sulamericanizar' sua política externa, com um reposicionamento da relação com os Estados Unidos e os países da América do Sul", aponta Goulart Menezes à Sputnik Brasil.
Os impactos para o Brasil dependem diretamente do resultado das eleições. Caso o ex-presidente Lula vença o pleito — conforme indicam pesquisas eleitorais —, há um novo horizonte aberto para o Brasil liderar uma convergência regional para o desenvolvimento em conjunto. No entanto, se o presidente Jair Bolsonaro conquistar a reeleição, a tendência é de um maior isolamento do país na região, avalia o especialista.
"Lula tende a colocar a América do Sul em patamar de prioridade caso repita os governos anteriores. Se ele faz isso, é claro que vai encontrar na região uma cena política favorável ao entendimento, à concertação. Mas, com uma eventual reeleição de Bolsonaro, o Brasil vai continuar alheio às questões da América do Sul", destaca o pesquisador da Unb.
"O momento é dos países trabalharem em conjunto para consolidar a América do Sul em um cenário de pós-pandemia. Um eventual governo Lula trabalharia para fortalecer a vacinação contra a COVID[-19] na região, valorizando o Instituto Butantan e a Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz], além de aproximar o subcontinente da China", avalia Goulart Menezes.
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"O governo Bolsonaro tem relações táticas com os países vizinhos, mas sempre que pode ofende os governantes vizinhos, xinga, diz que tudo vai virar Venezuela... Mas nunca explica qual seria esse processo de 'venezuelização'. Se Bolsonaro for reeleito, tende a se aprofundar o distanciamento", completou.
Para o pesquisador, a "integração regional tem papel importante para incrementar fluxos econômicos".
Em entrevista recente à Sputnik Brasil, o diplomata Celso Amorim, que foi ministro das Relações Exteriores no governo Lula, disse que a integração entre os países latino-americanos é "necessária".
"Acho que a guinada à esquerda até ajuda e facilita pela afinidade. Mas, mesmo que não houvesse a guinada à esquerda, essa integração é necessária", disse à jornalista Marina Lang.
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Essa visão é compartilhada por Amanda Harumy, professora de relações internacionais da Fundação Santo André (FSA) e diretora do Instituto Diplomacia para Democracia, que acredita que a chegada de Petro à presidência aumenta o isolamento do Brasil no curto prazo, que pode ser revertido caso Lula volte ao Palácio do Planalto.
"A posição de Petro diante da Venezuela e da Amazônia deixam o Brasil ainda mais isolado com Bolsonaro. Petro busca repensar o projeto de desenvolvimento colombiano, se distanciando do neoliberalismo e destacando a pauta ambiental", afirma Harumy à Sputnik Brasil.
Além disso, a especialista destaca que há uma orientação desse novo governo voltada à construção com movimentos sociais, uma característica dos governos que emergiram com a nova onda progressista latino-americana — que elegeu Petro na Colômbia e Gabriel Boric no Chile. Tanto nesse tema quanto na questão ambiental o papel de Francia Márquez é central, principalmente por sua militância ter sido construída justamente em defesa do meio ambiente e contra a mineração exploratória.
Francia Márquez no Brasil
Márquez esteve no Brasil na última semana e se reuniu com o ex-presidente Lula e lideranças de movimentos sociais, em especial de mulheres negras. A socióloga Vilma Reis, militante da Coalizão Negra por Direitos e uma das pré-candidatas apresentadas pelo grupo na iniciativa Quilombo nos Parlamentos, disse à Sputnik Brasil que o encontro tratou de "trocas horizontais sobre o que se pretende com o próximo ciclo de poder no Brasil e na Colômbia".
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"O encontro com Francia Márquez, no Rio de Janeiro, foi muito importante porque ela é uma liderança muito potente. Tratamos sobre questões ligadas à transição ecológica, proteção da Amazônia, direitos das mulheres, cooperação na América Latina e uma nova política de drogas que rompa com o modelo de guerra às drogas que afeta os nossos países", disse Reis.
"Estamos lutando por democracia na região, e a vitória de Petro e Márquez é uma das mais contundentes neste tempo, porque foram anos de massacre às comunidades naquele país."
Reis destaca que a vitória do Pacto Histórico na Colômbia deve servir de modelo para o Brasil, tanto pelas pautas quanto pelo protagonismo da população negra e dos povos indígenas na construção.
"Pela primeira vez vimos a possibilidade de mudar a fotografia do poder se materializar com uma mulher negra sendo eleita vice-presidente. Nosso povo precisa se ver no espelho. As vitórias eleitorais em Chile, Colômbia e Bolívia chancelaram projetos com o entendimento de uma sociedade plurinacional, com valorização de políticas de direitos humanos, de mulheres, com uma outra visão de segurança pública. E o Brasil tem muito a fazer nessas áreas", disse a socióloga.
Cooperação pelo desenvolvimento sustentável
Uma das áreas em que a cooperação entre os países pode se intensificar é a do desenvolvimento sustentável. A busca por uma outra base energética e por outras formas de desenvolvimento na Amazônia são bandeiras de Gustavo Petro e Francia Márquez.
Harumy acredita que a visita de Márquez ao Brasil "sinaliza uma comunicação entre os movimentos sociais e as lideranças regionais em pautas comuns como desenvolvimento sustentável, mulheres e racismo — muito importantes para o segundo momento da onda progressista".
"O desenvolvimento sustentável é um desafio regional. A América do sul é extremamente rica, mas a gente está atrelado principalmente ao petróleo. Para mudar esse cenário é fundamental aumentar os investimentos em ciência e tecnologia. E isso vale também para a Amazônia. Como explorar de maneira sustentável? Esse projeto hoje é muito fraco na região, é um grande desafio", questiona.
Para Goulart Menezes, com um eventual governo Lula, é possível vislumbrar uma alternativa conjunta. Com Bolsonaro, a situação é mais difícil.
"O meio ambiente é preocupação zero com Lula, até por ser um possível canal para desbloquear o Brasil internacionalmente. Esse, sem dúvidas, é um ponto de convergência entre Petro e Lula. Por outro lado, com Bolsonaro não é possível a construção de um desenvolvimento sustentável", aponta o professor.
"Bolsonaro tem uma visão retrógrada na questão ambiental. A política ambiental do governo Bolsonaro é antipolítica, e a Amazônia é o principal alvo. A floresta viu aumentar neste último período a grilagem de terras públicas e a mineração em terras indígenas", completou o pesquisador.
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