19:31 15.08.2022 (atualizado: 07:59 16.08.2022)
© Marcos Corrêa / Palácio do Planalto / CC BY 2.0
Especiais
Especialista em Defesa consultado pela Sputnik Brasil afirma que muitos militares preferem estar baseados em grandes cidades, desguarnecendo a ocupação do espaço e o monitoramento de fronteiras.
Os crimes transfronteiriços na Amazônia brasileira vem se intensificando com a mineração ilegal e o tráfico de animais e drogas.
Um levantamento do jornal norte-americano The New York Times identificou 1.269 pistas clandestinas de pouso na região, levantando dúvidas quanto à segurança das fronteiras e do espaço aéreo brasileiro. A quantidade é superior à de pistas regulares, de 1.260.
Além disso, a publicação aponta que 60% dos aeródromos ilegais do país estão em terras indígenas, sendo um quarto delas (362) a menos de 20 quilômetros de zonas de garimpo.
Segundo a reportagem, estão entre as atividades ilegais detectadas o garimpo de ouro, o contrabando de madeira e o tráfico internacional de drogas, que se beneficiam da localização estratégicas das pistas.
Área de garimpo ilegal na região do rio Crepori, afluente do rio Tapajós, no município de Jacareacanga, no estado do Pará, em 15 de fevereiro de 2022. Foto de arquivo
Segundo o especialista em Defesa Danilo Bragança, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política Externa Brasileira (LEPEB) da Universidade Federal Fluminense (UFF), as Forças Armadas do país possuem contingente e equipamentos necessários para realizar um combate eficaz a crimes cometidos nas fronteiras, mas os recursos não estão sendo distribuídos de maneira adequada.
Segundo ele, uma grande parcela do Ministério da Defesa está vinculada ao pagamento de pessoal e impede o aumento de investimentos necessários para a proteção das fronteiras.
Bragança diz que, por muito tempo, o Brasil investiu em sistemas de vigilância da Amazônia, mas abandonou diversos projetos, inclusive terceirizando a empresas norte-americanas, que passaram a ter o controle sobre informações estratégicas.
"Os militares querem ficar no litoral, perto das cidades grandes, por vários motivos. Primeiro, por uma questão de conforto grande, recebendo seus salários. Existe até uma presença militar em outros postos no interior, mas o cara quer ficar na Urca [Zona Sul do Rio de Janeiro", disse o pesquisador à Sputnik Brasil, acrescentando que, com isso, o país deixa a desejar na ocupação do espaço e no monitoramento de fronteiras.
Além da localização, o especialista avalia que a concentração de recursos em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e grandes cidades do Sul do país têm o objetivo de manter "o controle e o domínio" nessas regiões.
Bragança afirma que a quantidade de quartéis e batalhões de infantaria blindada situados no Rio de Janeiro "para tomar conta das favelas" mostra que os brasileiros vivem em "cidades hipersitiadas" e "altamente militarizadas".
Para ele, mesmo com todos os recursos destinados a grandes cidades, para as funções tanto da polícia na segurança pública, como da Defesa, com as Forças Armadas, a estrutura está montada "de maneira extremamente incompetente".
"Vai dificultar o monitoramento [das fronteiras]? Sim, pois não estão interessados em monitorá-las. Querem ficar nas grandes cidades", advertiu. "As Forças Armadas deveriam se concentrar muito mais em temas de fronteira e controle da Amazônia. A presença militar poderia servir à defesa das fronteiras e à proteção dos guardiões da Amazônia, que são os povos originários. Eles conseguem fazer a administração completa dos recursos naturais, no sentido da eficiência e da proteção e manutenção dos biomas e do meio ambiente no geral".
Para o pesquisador, "toda e qualquer atividade militar deve ser controlada pelo manto civil". Ele aponta que "a destinação de recursos, as dotações orçamentárias, precisam estar sob domínio civil".
Soldados das Forças Armadas do Brasil atuam no patrulhamento das praias da Zona Sul do Rio de Janeiro. Foto de arquivo
© Tomaz Silva / Agência Brasil
Sisfron está 'inutilizado' e poderia ajudar na defesa sul-americana
O especialista critica a situação do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron). Projetado pelo Exército Brasileiro na década de 1990, o programa só começou a ser implantado em 2013 e ainda está engatinhando. O projeto saiu da Fase Piloto para a Fase 2 recentemente, em abril desse ano, conforme contrato firmado entre a Embraer e o Exército Brasileiro.
Segundo Bragança, após a privatização da Embraer, em 1994, o projeto entrou em um impasse e na prática ainda está "inutilizado".
Ele lembra que, em 2020, houve o resgate da ideia de reestatização da Embraer. O projeto foi apresentado pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), com o objetivo de orientar a participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em um "futuro processo de reestatização" da Embraer (PL 2.195/2020), após o rompimento da parceria com a Boeing.
Militares brasileiros juntos do avião KC-390. Foto de arquivo
© Foto / Twitter da Força Aérea Brasileira
Para o especialista, a reestatização da Embraer "seria estratégico e necessário para a defesa brasileira".
Com o Sisfron saindo do papel, o Exército brasileiro teria a possibilidade de monitorar, inclusive, fronteiras alheias, com a anuência dos vizinhos, explicou Bragança. Por isso, segundo ele, o projeto não é um instrumento meramente do Brasil, e sim "um elemento da base industrial de defesa sul-americana".
"O corporativismo e o sindicalismo militar drenam muito dinheiro que deveria ser aplicado em projetos estratégicos do Brasil. Então, temos carência em satélites e na qualidade dos serviços para aviação comercial civil. É preciso pensar no uso dos recursos, dos aviões que a Força Aérea tem", disse o pesquisador.
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Para ele, o Sisfron "ficou defasado por uma questão de estratégia de obsolescência programada" e deveria ser retomado.
"Deveríamos pensar no Sisfron e na reestatização da Embraer como elemento de base para reformulação da base industrial de defesa sul-americana, com a implantação da Fase 2 do projeto, ampliando o espaço ocupado e coberto", disse.
Assim, o Sisfron deixaria de ser um escritório para se tornar uma estrutura de comando e controle, fortalecendo ações operacionais.
"O Sisfron teria muito a contribuir com a base industrial de defesa sul-americana, mas os militares preferem ficar na Urca, em Campinas, em lugares onde tecnicamente é muito mais confortável, deixando de ocupar onde se precisa: as fronteiras e o controle do espaço aéreo, de entrada e saída", afirmou.
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