09:00 25.08.2022 (atualizado: 09:18 25.08.2022)
Especialistas apontam preocupações com Medida Provisória (MP) assinada pelo presidente Jair Bolsonaro neste mês, mas não veem país com capacidade financeira para investir na produção nacional e deixar de importar para alimentar usinas nucleares. A Sputnik Brasil explica o atual estágio do país no segmento e o que muda com a nova regra.
Em meio a uma crise global de combustíveis e de abastecimento com o conflito ucraniano, muitos países têm buscado novas soluções energéticas. Enquanto os Estados Unidos incentivam a elevação da produção mundial de petróleo e a União Europeia reativa usinas termelétricas a carvão, o Brasil vem tentando diversificar sua gama de indústrias no setor.
Em uma ponta, a empresa química brasileira Unigel vai lançar a primeira fábrica de hidrogênio verde em escala industrial, prevista para começar a operar em 2023 no complexo petroquímico de Camaçari, na Bahia.
Em outra frente, recentemente o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou uma Medida Provisória (MP 1.133/2022) que autoriza a participação do setor privado na exploração de minérios nucleares.
Até então, essa era uma atribuição exclusiva da Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), empresa pública fundada em 1988 e vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME).
Com grande potencial para exploração e enriquecimento de urânio, o Brasil ainda tem um vasto caminho a percorrer em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e capacidade de produção.
Segundo o MME, apesar de ser rico em minérios nucleares, o país ainda importa a maior parte dos insumos necessários à fabricação do combustível para atender as usinas nucleares Angra 1 e Angra 2, resultando em maior custo de produção.
A matriz nuclear responde atualmente por menos de 3% de toda a energia gerada no território brasileiro. Com o início da operação comercial de Angra 3, em 2026, e a promessa de lançamento de uma quarta instalação em 2031, o país de fato precisa buscar meios de acelerar a produção e baratear os custos.
Usinas nucleares Angra 1 e Angra 2, em Angra dos Reis (RJ). Foto de arquivo
© Folhapress / Luciana Whitaker
Contudo a abertura da exploração ao setor privado, até mesmo estrangeiro, é o melhor caminho para o desenvolvimento econômico brasileiro? Por se tratar de um setor estratégico, o Estado não deveria ampliar seu investimento em vez de dividi-lo com outras empresas?
Segundo o professor de engenharia nuclear da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Aquilino Senra, o Estado brasileiro não tem capacidade para aumentar o investimento no setor "em um horizonte próximo".
O especialista afirma que, devido à crise fiscal atual e suas consequências nos próximos anos, há outras prioridades para o governo por enquanto.
Apesar disso, ele avalia que a medida paliativa para ampliar a exploração dos minérios no país deveria ter sido executada por meio de um projeto de lei, com devido trâmite no Congresso Nacional.
"A Medida Provisória é um instrumento exclusivo do presidente da República para criar leis em caráter de urgência. Desconheço o motivo da urgência no caso", disse Senra, lembrando que a MP passou a valer a partir da data de publicação, no último dia 12.
Pastilha de urânio produzida na INB, no Rio de Janeiro. Foto de arquivo
Preocupado com os procedimentos na cadeia produtiva, Fernando Pires, professor de microscopia de minérios e de geologia econômica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e autor do livro "Urânio no Brasil: Geologia, Jazidas e Ocorrências", afirma que os geólogos precisam continuar "devidamente protegidos" no trabalho de busca e extração em jazidas de urânio bruto.
Segundo ele, o armazenamento do material deve ser feito em plantas construídas especificamente com esse propósito, a fim de evitar qualquer tipo de contaminação.
"A solução é delicada e mostra que há a necessidade de especialistas em energia nuclear, em geologia para a extração mineral e o tratamento de minerais uraníferos, para impedir contaminação durante transporte e tratamento, em plantas que evitem irradiação. O pessoal técnico deve estar preparado para esses processos", disse Pires.
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O que muda com a MP?
O professor de engenharia nuclear aponta que a MP não promoveu uma privatização irrestrita do setor. Ele explica que a medida estimula a participação da iniciativa privada por meio de parcerias com a INB, tanto na pesquisa como na exploração dos minérios.
O especialista ressalta que a INB "continuará exercendo o monopólio nuclear no país em nome da União" e que, portanto, a participação da iniciativa privada estará limitada a 49% nessas parcerias.
"Conforme forem estabelecidas as condições entre as partes em contrato comercial, a MP 1.133 poderá ser benéfica para o aumento da produção de urânio no país", disse.
Concentrado "Yellow Cake", produzido pela usina da INB, durante análise no laboratório da empresa. O concentrado é resultado da aplicação de ácidos sobre o urânio em estado mineral. Foto de arquivo
Senra indica ainda que, com a medida, a INB poderá ter mais recursos financeiros e tecnológicos para a produção de urânio e as demais etapas do ciclo do combustível nuclear no país.
Porém o especialista alerta que a MP deixou uma brecha no que se refere a "garantias de recursos financeiros e responsabilidades" na questão ambiental.
Ele aponta que o governo tornou a empresa independente do Tesouro Nacional. Dessa forma, a companhia fica responsável pela recuperação de áreas prejudicadas pela má condução de atividades com rejeitos iniciadas antes de sua fundação.
A exploração do urânio no Brasil teve início em março de 1981, no município de Caldas (MG), pela extinta estatal Nuclebrás. Após sua extinção, o especialista lembra que a INB "herdou o passivo ambiental de Caldas, gerado por governos passados totalmente despreocupados com as questões ambientais do projeto".
"A INB não tem e não terá tão cedo orçamento suficiente para executar o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), já aprovado pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e CNEN [Comissão Nacional de Energia Nuclear]", disse.
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Além do depósito de Caldas, que teve a exploração encerrada em 1995 por inviabilidade econômica, outras duas importantes reservas de minérios nucleares estabelecidas para prospecção desde a década de 1970 até hoje possuem grande oferta de material.
Na mina de Itataia, em Santa Quitéria, no Ceará, o professor explica que o urânio é o minério secundário. Segundo ele, nesse caso, o fosfato, essencial e insubstituível na produção de fertilizantes, é o componente principal da reserva.
Porém o especialista lembra que a exploração da mina ainda está em processo de licenciamento ambiental e nuclear, sem prazo para o início das operações.
Por enquanto, a única reserva em atividade de fato é a de Lagoa Real, em Caetité, na Bahia, que ainda tem grande margem para exploração, segundo o especialista.
"A produção atual ainda não é suficiente para atender a demanda das usinas nucleares brasileiras", afirmou.
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