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quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Brasil abre mão de setor estratégico liberando exploração de minérios nucleares a empresas privadas?


09:00 25.08.2022 (atualizado: 09:18 25.08.2022)

Em fábrica localizada próximo à cidade de Resende, no estado do Rio de Janeiro, funcionários da Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB) controlam enriquecimento de urânio, em 29 de outubro de 2016 - Sputnik Brasil, 1920, 25.08.2022

© Folhapress / Ricardo Borges

Especialistas apontam preocupações com Medida Provisória (MP) assinada pelo presidente Jair Bolsonaro neste mês, mas não veem país com capacidade financeira para investir na produção nacional e deixar de importar para alimentar usinas nucleares. A Sputnik Brasil explica o atual estágio do país no segmento e o que muda com a nova regra.

Em meio a uma crise global de combustíveis e de abastecimento com o conflito ucraniano, muitos países têm buscado novas soluções energéticas. Enquanto os Estados Unidos incentivam a elevação da produção mundial de petróleo e a União Europeia reativa usinas termelétricas a carvão, o Brasil vem tentando diversificar sua gama de indústrias no setor.

Em uma ponta, a empresa química brasileira Unigel vai lançar a primeira fábrica de hidrogênio verde em escala industrial, prevista para começar a operar em 2023 no complexo petroquímico de Camaçari, na Bahia.

Em outra frente, recentemente o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou uma Medida Provisória (MP 1.133/2022) que autoriza a participação do setor privado na exploração de minérios nucleares.

Até então, essa era uma atribuição exclusiva da Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), empresa pública fundada em 1988 e vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME).

Com grande potencial para exploração e enriquecimento de urânio, o Brasil ainda tem um vasto caminho a percorrer em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e capacidade de produção.

Segundo o MME, apesar de ser rico em minérios nucleares, o país ainda importa a maior parte dos insumos necessários à fabricação do combustível para atender as usinas nucleares Angra 1 e Angra 2, resultando em maior custo de produção.

A matriz nuclear responde atualmente por menos de 3% de toda a energia gerada no território brasileiro. Com o início da operação comercial de Angra 3, em 2026, e a promessa de lançamento de uma quarta instalação em 2031, o país de fato precisa buscar meios de acelerar a produção e baratear os custos.

Usinas nucleares Angra 1 e Angra 2, em Angra dos Reis (RJ) - Sputnik Brasil, 1920, 24.08.2022

Usinas nucleares Angra 1 e Angra 2, em Angra dos Reis (RJ). Foto de arquivo

© Folhapress / Luciana Whitaker

Contudo a abertura da exploração ao setor privado, até mesmo estrangeiro, é o melhor caminho para o desenvolvimento econômico brasileiro? Por se tratar de um setor estratégico, o Estado não deveria ampliar seu investimento em vez de dividi-lo com outras empresas?

Segundo o professor de engenharia nuclear da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Aquilino Senra, o Estado brasileiro não tem capacidade para aumentar o investimento no setor "em um horizonte próximo".

O especialista afirma que, devido à crise fiscal atual e suas consequências nos próximos anos, há outras prioridades para o governo por enquanto.

Apesar disso, ele avalia que a medida paliativa para ampliar a exploração dos minérios no país deveria ter sido executada por meio de um projeto de lei, com devido trâmite no Congresso Nacional.

"A Medida Provisória é um instrumento exclusivo do presidente da República para criar leis em caráter de urgência. Desconheço o motivo da urgência no caso", disse Senra, lembrando que a MP passou a valer a partir da data de publicação, no último dia 12.

Pastilha de urânio produzida na Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), no Rio de Janeiro (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 24.08.2022

Pastilha de urânio produzida na INB, no Rio de Janeiro. Foto de arquivo

© Folhapress / Ricardo Borges

Preocupado com os procedimentos na cadeia produtiva, Fernando Pires, professor de microscopia de minérios e de geologia econômica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e autor do livro "Urânio no Brasil: Geologia, Jazidas e Ocorrências", afirma que os geólogos precisam continuar "devidamente protegidos" no trabalho de busca e extração em jazidas de urânio bruto.

Segundo ele, o armazenamento do material deve ser feito em plantas construídas especificamente com esse propósito, a fim de evitar qualquer tipo de contaminação.

"A solução é delicada e mostra que há a necessidade de especialistas em energia nuclear, em geologia para a extração mineral e o tratamento de minerais uraníferos, para impedir contaminação durante transporte e tratamento, em plantas que evitem irradiação. O pessoal técnico deve estar preparado para esses processos", disse Pires.

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O que muda com a MP?

O professor de engenharia nuclear aponta que a MP não promoveu uma privatização irrestrita do setor. Ele explica que a medida estimula a participação da iniciativa privada por meio de parcerias com a INB, tanto na pesquisa como na exploração dos minérios.

O especialista ressalta que a INB "continuará exercendo o monopólio nuclear no país em nome da União" e que, portanto, a participação da iniciativa privada estará limitada a 49% nessas parcerias.

"Conforme forem estabelecidas as condições entre as partes em contrato comercial, a MP 1.133 poderá ser benéfica para o aumento da produção de urânio no país", disse.

Concentrado Yellow Cake, produzido pela usina da Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), durante análise no laboratório da empresa. O concentrado é resultado da aplicação de ácidos sobre o urânio em estado mineral - Sputnik Brasil, 1920, 24.08.2022

Concentrado "Yellow Cake", produzido pela usina da INB, durante análise no laboratório da empresa. O concentrado é resultado da aplicação de ácidos sobre o urânio em estado mineral. Foto de arquivo

© Folhapress / Sérgio Lima

Senra indica ainda que, com a medida, a INB poderá ter mais recursos financeiros e tecnológicos para a produção de urânio e as demais etapas do ciclo do combustível nuclear no país.

Porém o especialista alerta que a MP deixou uma brecha no que se refere a "garantias de recursos financeiros e responsabilidades" na questão ambiental.

Ele aponta que o governo tornou a empresa independente do Tesouro Nacional. Dessa forma, a companhia fica responsável pela recuperação de áreas prejudicadas pela má condução de atividades com rejeitos iniciadas antes de sua fundação.

A exploração do urânio no Brasil teve início em março de 1981, no município de Caldas (MG), pela extinta estatal Nuclebrás. Após sua extinção, o especialista lembra que a INB "herdou o passivo ambiental de Caldas, gerado por governos passados totalmente despreocupados com as questões ambientais do projeto".

"A INB não tem e não terá tão cedo orçamento suficiente para executar o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), já aprovado pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e CNEN [Comissão Nacional de Energia Nuclear]", disse.

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Além do depósito de Caldas, que teve a exploração encerrada em 1995 por inviabilidade econômica, outras duas importantes reservas de minérios nucleares estabelecidas para prospecção desde a década de 1970 até hoje possuem grande oferta de material.

Na mina de Itataia, em Santa Quitéria, no Ceará, o professor explica que o urânio é o minério secundário. Segundo ele, nesse caso, o fosfato, essencial e insubstituível na produção de fertilizantes, é o componente principal da reserva.

Porém o especialista lembra que a exploração da mina ainda está em processo de licenciamento ambiental e nuclear, sem prazo para o início das operações.

Por enquanto, a única reserva em atividade de fato é a de Lagoa Real, em Caetité, na Bahia, que ainda tem grande margem para exploração, segundo o especialista.

"A produção atual ainda não é suficiente para atender a demanda das usinas nucleares brasileiras", afirmou.

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