© Valter Campanato/ Agência Brasil
Dependência externa, pouca cooperação regional e desindustrialização são alguns dos problemas enfrentados pelas Forças Armadas do Brasil. Em conversa com a Sputnik, especialistas analisam esses fatores e apontam quais lições o país pode tirar do conflito na Ucrânia.
A dependência ucraniana e a autossuficiência russa em termos militares são fatores determinantes para a supremacia da Rússia no conflito europeu. Esse cenário foi mais um alerta global sobre a importância do investimento nos setores de Defesa, o que levou muitos países a anunciarem que aumentarão seus gastos no setor.
Embora as razões para cada Estado sejam divergentes, elas revelam as transformações pelas quais o mundo moderno está passando, dentro de uma nova perspectiva de reorganização geopolítica. Como aponta Eduardo Siqueira Brick, pesquisador do Núcleo de Estudos de Defesa, Inovação, Capacitação e Competitividade Industrial (UFFDEFESA) e membro da Academia Nacional de Engenharia (ANE), a principal lição que o Brasil deve tirar do conflito é que não é possível ser um ator de relevância global e ao mesmo tempo "depender dos outros para ter capacidade militar".
Segundo ele, ter este entendimento é fundamental para um país como o Brasil, dadas suas grandezas em termos de economia, território e população. A ideia parece abstrata quando consideramos que o Brasil tem um histórico pequeno de conflitos em suas fronteiras, mas, conforme alerta o professor, é "esse fato que leva, em muitos casos, a um descuido com o preparo da defesa".
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A "ausência de uma estratégia para o Brasil precisa ser debatida. Mesmo que o país não tenha ameaça, isso pode mudar. Então, é preciso ter uma estratégia pensando em qual posição o Brasil gostaria de estar. É preciso ter algum poder para ter protagonismo nas relações internacionais", argumentou.
Tanto Brick quanto a professora Adriana Aparecida Marques, do curso de defesa e gestão estratégica internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concordam com a avaliação de que, tratando-se de defesa e de possíveis futuros inimigos, as probabilidades são inúmeras.
"O Brasil precisa se defender contra qualquer ameaça, pois os problemas vêm de onde a gente menos espera", disse ela, também em declarações à Sputnik Brasil.
O conflito entre Rússia e Ucrânia é também um bom exemplo para compreender outro complexo obstáculo para a defesa do Brasil: o processo de desindustrialização em progresso no país. Por ter uma autonomia tecnológica e industrial no setor de defesa, a Rússia pôde defender seus interesses vitais sem ter que recorrer ao auxílio de outros países, sendo capaz de resistir aos embargos ocidentais. Já a Ucrânia, por não ter essa autonomia, depende totalmente da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
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"A capacidade militar da Ucrânia era, no início do conflito, quase que totalmente dependente de armas e tecnologias de origem russa. Com o conflito, essa fonte de suprimento foi cortada. As circunstâncias geopolíticas permitiram o suprimento de suas necessidades militares por parte de países da OTAN, o antigo adversário", analisou Eduardo Siqueira Brick.
O processo de desindustrialização brasileiro, que afeta por consequência o setor de ciência e tecnologia, com impactos agudos no âmbito militar, ocorreu por diversas razões. De forma sucinta, apontam-se os fenômenos geopolíticos que conduziram as indústrias do mundo para o Sudeste Asiático, em especial para a China, e os efeitos da abertura comercial brusca que ocorreu no Brasil nos anos 1990, associada a longos períodos de câmbio valorizado.
O fato é que o país chegou a ter 30% do seu PIB extraído da sua produção industrial. Atualmente, a proporção caiu para 11%, com tendência de queda progressiva. A desindustrialização é apontada também por um relatório do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), mostrando que a participação do setor industrial no PIB brasileiro vem caindo ano a ano. Em 2018, a indústria representou apenas 11,3% do PIB, quase metade dos 20% registrados em 1976.
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Há caminhos para retomar o processo de industrialização, garantem ambos especialistas consultados pela Sputnik. Adriana Aparecida Marques explica que "o futuro do Brasil parte do princípio de uma defesa calcada em bases regionais". Segundo ela, o país, "com essa gama de problemas socioeconômicos para resolver, tem dificuldade de criar sozinho uma base de defesa". A cooperação com os países sul-americanos, para ela, "é fundamental" e poderia servir como solução, mas a questão "passa principalmente por uma discussão política" em Brasília.
Eduardo Siqueira Brick aponta, nesse sentido, "que a indústria de defesa não é como outra qualquer. O objetivo dela não é gerar emprego ou PIB [Produto Interno Bruto]. Seu objetivo é o mesmo de uma unidade militar combatente, é melhor ter. Uma indústria de mísseis é mais importante que ter uma boa brigada militar, é preciso fabricar mísseis, ou estaremos suscetíveis aos embargos de quaisquer outros países".
Ele entende que esse é o momento de aprender com a história, "e aponta que tudo que é possível acontecer pode acontecer. Não é possível atribuir probabilidade a eventos futuros. E assim como para preparar uma defesa é uma atividade de décadas, não há como prever uma guerra. É preciso ter uma capacidade militar para enfrentar sempre as ameaças mais fortes. Possíveis ameaças para o Brasil só podem vir de países maiores".
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O alerta do professor aponta para um fato preocupante: a dependência do país em relação às armas da OTAN.
"O Brasil é um país gigante, e precisa atuar para ter um poder de voz mais ativa na ordem internacional. Para isso, é preciso capacidade militar própria. E toda capacidade militar do Brasil vem de países da OTAN. Isso é uma grande vulnerabilidade. Quem tem alguma possiblidade ou vontade de impor algo ao Brasil são países da OTAN", comentou.
Adriana Aparecida Marques explicou que esse é um setor sensível, sendo que "depender de armas estrangeiras é uma preocupação de todos os países", disse ela, apontando que essa ideia data de Maquiavel e a formação dos Estados modernos. Esse fato exige que o país desenvolva e sustente indústrias de defesa capazes de concebê-los e fabricá-los.
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