Denúncias sobre atuação da PRF revelam agressões e ameaças antes da morte de Genivaldo. Ato nesta quarta em SP cobra fim da violência policial
1 de junho de 2022, 15:07 h Atualizado em 1 de junho de 2022, 15:08
Genivaldo de Jesus (Foto: Reprodução)
Rede Brasil Atual - O uso abusivo de gás lacrimogênio e de pimenta em ambiente fechado – e totalmente contra as normas nacionais e internacionais de uso progressivo da força – por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que resultou na morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em Umbaúba (SE), não é um fato isolado no país. De acordo com reportagem do site Metrópoles, publicada nesta quarta-feira (1º), já foi empregado em ao menos 24 casos registrados em polícias de 10 estados e no Distrito Federal, nos últimos 11 anos.
As polícias do Amazonas, Pará, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás, Alagoas e DF também são acusadas de usar procedimento semelhante ao que matou Genivaldo com uso de gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra pessoas no interior de viaturas. A morte de Genivaldo ocorreu no último dia 25, há uma semana. Três agentes da PRF transformaram o camburão em “câmara de gás” após detonar, dentro do veículo oficial, uma bomba de gás lacrimogêneo e levar Genivaldo à morte.
O homem negro, diagnosticado com esquizofrenia, estava trancado e algemado no porta-malas da viatura após ser detido por trafegar de moto sem capacete. Segundo laudo do Instituto Médico Ilegal (IML), o óbito ocorreu em decorrência de asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda.
Não são fatos isolados
Entre os 24 casos semelhantes, contudo, houve sobreviventes que ingressaram com ações tanto para embasar pedidos de habeas corpus ou de indenização por danos morais, segundo a reportagem. Em um deles, no Distrito Federal, dois policiais militares foram condenados e afastados dos cargos após torturarem por mais de cinco horas um homem que deveria ter sido apenas conduzido à delegacia. O Tribunal de Justiça do DF confirmou a materialidade da tortura, ocorrida em maio de 2014. O acórdão publicado aponta ainda que os PMs utilizaram gás de pimenta. O qual foi aspergido contra a vítima no momento em que ele era colocado no “cubículo da viatura”.
O magistrado também reconheceu que o homem foi enforcado, agredido com chutes e socos. Além de ter tomado choque na barriga e nas partes íntimas e cacetada na cabeça.
Um segundo caso mostra decisão da justiça de Santa Catarina a respeito da conduta de policiais que borrifaram um tubo inteiro de gás de pimenta contra um homem que já estava dentro do camburão, segundo a sentença. Na ocasião, ele “começou a se debater quase fora de si, devido à reação química provocada pelo gás que o asfixiava, resultando na quebra do vidro traseiro da viatura policial”, diz a ação. O caso ocorreu no município de Caçador.
Prática deve ser abolida
“Dentro desse veículo, o declarante ficou parado, quase sem oxigênio, em razão do gás de pimenta que era lançado contra si; em nenhum momento o declarante revidou as agressões sofridas, apenas pediu ‘Por amor de Deus para parar de jogar gás de pimenta’; os policiais agiram desta forma por covardia”, justificou a sentença em primeiro grau. Ao Metrópoles, o perito Casso Thyone, membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), explicou que o portal-malas de uma viatura é um ambiente confinado “onde não há renovação do oxigênio”.
De acordo com ele, se uma pessoa estiver dentro, “o oxigênio vai diminuindo, pois o outro gás vai ocupar o espaço dele, impedindo a respiração. Então, o maior problema do caso não é a substância, mas a circunstância”. Thyone ressalta que o uso de gás lacrimongêneo e de pimenta só pode ser usado para repelir ataques ou afastar agressões, mas sempre em ambientes abertos. “Essa prática [de usar gás dentro de viaturas] tem que ser abolida, quer faça parte ou não dos protocolos previstos”, destacou.
Novas denúncias em Sergipe
No caso da PRF em Sergipe, também pesa contra agentes da corporação a denúncia de dois jovens que afirmam em boletins de ocorrência que foram agredidos e ameaçados por uma equipe dois dias antes e na mesma cidade em que Genivaldo foi morto por asfixia na viatura da corporação. De acordo com informações do jornal Folha de S. Paulo, as denúncias foram registradas no dia 27 por um homem de 21 anos, que pilotava uma moto, e um adolescente, de 16 anos, que ia na garupa.
Eles relatam que estavam no veículo quando perceberam a presença de policiais rodoviários e decidiram fugir porque estavam sem capacete e com a documentação irregular da motocicleta. Nos documentos, eles descrevem que “ao perceber que não conseguiriam fugir”, “pararam a motocicleta, mas, mesmo assim, foram atingidos pela viatura” e caíram no chão. Durante a abordagem, segundo os jovens, mesmo algemados com as mãos para trás, eles receberam chutes, tapas e agressoões no rosto. Os dois fizeram exame do corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) em Aracaju, mas ainda aguardam a conclusão dos laudos. A PRF não comentou o caso.
Ato contra a violência policial
Nesta quarta-feira (1º), movimentos negros e populares protestam contra a violência policial e racista em São Paulo. A manifestação tem concentração marcada para as 18h, na área do Masp, na Avenida Paulista, na capital paulista. E cobra por justiça para Genivaldo e o fim das chacinas, como a última realizada na Vila do Cruzeiro, no Complexo da Penha, zona norte do Rio de Janeiro. Ao menos 23 pessoas foram mortas durante a operação policial que entrou para a história como a segunda mais letal do Rio.
“Exigimos que #ParemDeNosMatar”, diz o chamado dos movimentos. Os dois casos de violência policial chamam atenção para a atuação da PRF, envolvida na ação em Sergipe e no Rio. Na última sexta (27), a corporação também foi alvo de protestos de movimentos negros que denunciaram a influência do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a corporação. A direção-geral da PRF criou uma comissão interventora para investigar a morte de Genivaldo. O que é uma iniciativa importante, de acordo com o professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) Rogério Dutra dos Santos.
“Demonstra que a PFR se sensibilizou com a pressão da opinião pública. Mas estranha muito o fato do MPF (Ministério Público Federal) não ter se mobilizado a respeito desse caso”, ponderou o jurista ao jornalista Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual.
Santos concorda, contudo, que a guinada da polícia rodoviária em direção às operações policiais de natureza repressiva, como no Rio, é parte do movimento da instituição em direção ao fascismo que diz ter relação com Bolsonaro. “A PRF, como a maioria das polícias no Brasil – e eu diria praticamente todas –, tem um problema estrutural de falta de qualificação de seus agentes para lidar com situações emergenciais como essa (de Genivaldo). A PRF sequer tem um protocolo para lidar com pessoas com deficiência mental, por exemplo. E essa falta demonstra que essas instituições têm fragilizado a segurança de seus próprios agentes. Eu concordo que as polícias têm um déficit de direitos humanos em relação a seus próprios agentes. E isso faz com que elas acabem caindo na resposta fácil da radicalização e da fascistização. Nós precisamos recuperar as polícias brasileiras para uma agenda de proteção de direitos”, defende o jurista.
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