Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Com o editorial deste 13 de abril de 2021, o jornal “O Globo” estreia no ramo da construção civil. Para defender diante dos seus leitores a indefensável autodenominada operação Lava Jato, o diário da família Marinho recorre mais de uma vez à palavra “edifício”.
Talvez o editorialista tenha, ao utilizá-la, a pretensão tardia, e algo patética, de impingir ao distinto público uma imagem de solidez técnica ao conluio exposto mundialmente entre os procuradores de Curitiba e o então juiz Sergio Moro no projeto político conhecido como “operação Lava Jato”, para obter a condenação do ex-presidente Lula e mantê-lo fora das eleições de 2018 e, se tudo desse certo, eliminá-lo definitivamente do processo político brasileiro.
Às vésperas de reunir-se o pleno do Supremo Tribunal Federal, cuja pauta inclui a apreciação da competência da 13ª Vara de Curitiba para conduzir os processos movidos contra Lula, anulados pelo ministro Edson Fachin, relator da matéria na 2ª Turma, a família Marinho toma o cachimbo que lhe entorta a boca sempre que um sopro de democracia vem arejar o ambiente político do País. Agora, se entrega ao costumeiro exercício de pressionar a Suprema Corte no sentido de rever aquela decisão de forma a manter a interdição da maior liderança popular da História do Brasil no pleito de 2022.
Golpismo da Globo – Só a notória cumplicidade e a participação do grupo “Globo” nas tropelias e crimes da Lava Jato contra o devido processo legal, o Estado Democrático de Direito e a soberania nacional explicam o teor das afirmações do conspícuo editorial: “Nesse cenário, (caso se confirmem as decisões da 2ª Turma de incompetência e parcialidade de Moro) ficariam abalados os alicerces de todo o edifício de provas, denúncias e condenações, acordos de leniência que desbarataram o maior esquema de corrupção da história brasileira”, afirma o editorial. Mais adiante, segue impávido: “Com essa transferência (dos autos para a Justiça Federal de Brasília) ficariam ao menos preservadas todas as provas e as denúncias, assim como o edifício jurídico erguido pela Lava Jato”. Foram-se os anéis, salvem-se os dedos, arrisca o editorial de “O Globo”.
Ocorre que, a esta altura, depois das revelações da Operação Spoofing, da atuação da defesa do ex-presidente Lula e das decisões majoritárias da 2ª Turma do STF, sobre a suspeição e a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, resta claro – menos para o editorialista do “Globo”, aparentemente – que os alicerces do “edifício jurídico” erguido pela Lava Jato valem menos que aqueles construídos sobre a areia pelo empresário Sérgio Naya, há alguns anos, no Rio de Janeiro.
Edifício de areia da família Marinho – A expectativa alimentada pela família Marinho na “reviravolta no colegiado” tem sido analisada por juristas ao longo da semana. Juarez Tavares e Carol Proner defendem que “o acusado tem direito subjetivo, em um processo penal democrático, a ser processado e julgado por um juiz imparcial, independentemente da competência ou incompetência do juízo. Assim, mesmo que se reconheça a incompetência do juízo, isso não implica a perda de objeto da arguição de suspeição”, como pretende o ministro Fachin, derrotado na 2ª Turma, ao enviar a decisão ao pleno do STF.
É importante reforçar que, mantida a suspeição tal como entendeu a 2ª Turma, “são declarados nulos todos os atos processuais e não apenas os atos decisórios.” (Tavares e Proner). De tal forma que a Corte devolveria de forma plena e estável os direitos políticos do ex-presidente Lula, esbulhados pelo conluio perpetrado pelos procuradores da Lava Jato de Curitiba e seu mentor, o então juiz Sergio Moro.
Máfia de Curitiba – Seria excessivo exigir de um jornal com as características históricas de “O Globo” que descesse a detalhes no exíguo espaço de um editorial. Explicar, por exemplo, a complexa engenharia da fundação bilionária do procurador Deltan Dallagnol, interditada pelo ministro Alexandre de Moraes, aparentemente por não obedecer às regras do plano diretor… Ou, quem sabe, explicar a arquitetura que permitiu a Sergio Moro, aquele que interferiu de forma decisiva para impedir Lula de concorrer nas eleições de 2018, se encaixar perfeitamente na complexa edificação do governo Bolsonaro como “superministro” da Justiça. “O Globo” não se afasta da máxima do Dr. Roberto: “somos o que somos menos pelo que dizemos e mais pelo que deixamos de dizer…”.
O país passa por uma reviravolta na cena política desde que a 2ª Turma do STF reconheceu, em 8 de março, a incompetência da 13ª Vara de Curitiba para julgar o ex-presidente Lula e, em 23 de março, confirmou a parcialidade do então juiz Sergio Moro nos processos relativos ao líder petista, condenado por ele sem provas e com manipulações. O Brasil acompanhará nos próximos dias a recuperação – ou não – da credibilidade do sistema de Justiça brasileiro.
Moro é suspeito – A confirmação do veredito da 2ª Turma de que Moro foi incompetente e é suspeito resultará num passo decisivo para o reencontro do Brasil com a democracia e com o Estado de Direito. Contra o arbítrio de membros de uma instituição – o Ministério Público Federal – que a manipularam sem escrúpulos, em defesa de um projeto político de extrema direita, finalmente desmascarado, e contra a corrupção de um juiz que se utilizou da toga para abrir caminho rumo a uma carreira política meteórica, turbinada pelos holofotes da mídia corporativa.
A ambição do ex-juiz e seus acólitos, os procuradores de Curitiba, abriu caminho para a ascensão do neofascismo liderado por Bolsonaro, que acabou por expelir Sergio Moro dos quadros do governo e, hoje, mergulha o Brasil na conjugação de crises que nos assola: a recessão econômica, o desemprego, a volta da fome, agravadas pela Covid-19, a maior catástrofe sanitária de nossa História que faz do Brasil, neste momento, o epicentro da pandemia, graças à incompetência e a política genocida do capitão-presidente.
Neste 14 de abril, os democratas do Brasil estarão atentos ao que ocorrerá no plenário do STF. Para manter a interdição do ex-presidente Lula na cena política do país, o colegiado “terá que derrubar o julgamento da 2ª Turma, sem que nenhum recurso tenha sido apresentado para isso”, como afirma o jornalista Marcelo Auler. Quem viver, verá.
Não há saída no horizonte imediato que não passe pela reafirmação do respeito aos valores da democracia e do Estado de Direito. Mais uma vez, o plenário do STF volta ao centro das contradições de uma sociedade exausta que busca se reencontrar com a Carta Magna de 1988 e, a partir dela, retomar o processo de reconstrução de uma sociedade inclusiva e soberana. Quem viver, verá!
Paulo Pimenta é deputado federal (PT-RS).
Artigo publicado originalmente na Revista Fórum
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