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domingo, 5 de março de 2023

Analistas apontam riscos ligados à IA, mas defendem que regulamentação não pode travar seus avanços

Inteligência artificial (imagem referencial) (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 24.02.2023

© Foto / Pixabay / geralt

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À Sputnik Brasil, especialistas destacam que a regulamentação do uso da inteligência artificial deve ser feita sem cessar sua evolução e apontam que a conscientização do compartilhamento de informação é um dos maiores desafios deste século.

A inteligência artificial (IA) faz parte do cotidiano e vem ganhando mais espaço rapidamente. Ela está presente em aplicativos que usam cliques para direcionar futuras pesquisas, em eletrodomésticos que funcionam sozinhos e acionados à distância, na segurança pública, por meio de câmeras de reconhecimento facial, e até mesmo na saúde, com procedimentos cirúrgicos que hoje contam com auxílio de robôs.

Em entrevista à Sputnik Brasil, Claudio Miceli, professor do Instituto Tércio Pacitti de Aplicações e Pesquisas Computacionais (NCE) e do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação (PESC), ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e Vandor Rissoli, professor de engenharia de software da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Laboratório de Tecnologias Educacionais (LaTEd), também da UnB, explicam que a inteligência artificial tem potencial para melhorar em grande escala a qualidade de vida do ser humano, mas vem acompanhada de riscos e necessita de regulamentação.

Vandor Rissoli destaca que, embora seja mais comentada nos últimos anos, a IA já faz parte da rotina humana há décadas. Ele explica que a tecnologia surgiu na década de 1950, “com o objetivo de desenvolver ou evoluir tecnologias que tivessem a capacidade de imitação do comportamento inteligente humano”, e desde então vem aumentando sua presença no cotidiano.

“Os recursos e lógicas provenientes da IA já fazem parte do nosso dia a dia, embora muitas vezes nós não os percebamos. Eles contribuem desde a melhor escolha do sinal do seu celular para comunicação, assim como tarefas que proporcionarão sua maior produtividade, até a otimização de processos, que tenham a participação humana ou de robôs que realizam atividades repetitivas com maior eficiência, reduzindo possíveis falhas” diz Rissoli.

Inteligência artificial (imagem referencial) - Sputnik Brasil, 1920, 16.01.2023

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Porém ele acrescenta que, apesar dos inúmeros avanços, “o elevado potencial de processamento da IA se apresenta ainda bem limitado quando comparado ao cérebro humano”. Ele cita como exemplo os chatbots, que são robôs de conversação muito usados em atendimentos on-line. “Na interação inusitada, quando são misturados dados que são reais mas não têm vínculo entre si, um robô de conversação vai produzir um retorno incoerente.”

Claudio Miceli concorda que a inteligência artificial traz facilidades no acesso a serviços. “A gente vê isso desde em coisas como ChatGPT […] até […] aplicativos de banco, que vão oferecer um tipo melhor de interação que não temos, às vezes, indo à agência bancária.”

Porém Miceli alerta que toda essa comodidade traz consigo o risco de expor dados pessoais a sistemas desconhecidos de empresas que não se sabe o que farão com essa informação. Ele acrescenta que “essa hipermecanização faz com que, rapidamente, empregos desapareçam, sem que haja uma transição de trabalho”. “A tecnologia traz muitos empregos, com certeza. Mas desde que você capacite a mão de obra, então tem que ter uma política para que isso aconteça”, argumenta Miceli.

Atualmente, o Senado debate algumas propostas para regulamentar o uso da IA no Brasil, discutindo, por exemplo, o uso de câmeras para reconhecimento facial. Questionado sobre quais são os desafios para a regulamentação dos sistemas de IA, Miceli destaca dois pontos que considera principais.

“Nosso principal desafio é a gente entender o que significa IA. O robô aspirador da sua casa pode estar usando IA para aprender qual cômodo deve varrer. Mas, ao mesmo tempo, será que a empresa que está coletando esses dados não tem agora um mapa da sua casa? Ou, quando dizemos ‘Hello, Siri’ ou ‘Oi, Google’, esses sistemas começam a coletar suas informações? Regulamentar significa regulamentar a IA ou esse tráfego de informação que ela pode tomar?”, questiona Miceli.

Em segundo lugar ele aponta a regulamentação do que chama de culpabilidade da decisão tomada pela IA, pois a tecnologia, embora avançada, também é passível de erros.

“Imagina que uma câmera de reconhecimento facial diz que alguém é um bandido, quando na verdade não é. Como é que a polícia vai acreditar nisso? A pessoa vai ser detida, presa para posterior averiguação”, diz Miceli, acrescentando já terem acontecido casos como esse.

Inteligência artificial (IA) - Sputnik Brasil, 1920, 02.02.2023

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Segundo ele, a regulamentação tem o desafio de garantir que o uso da IA seja responsável e ético. “Garantir que ela [a IA] não seja discriminatória, que seja possível analisar o processo de decisão [tomado pelo sistema]. Ou seja, o resultado é interpretável, como foi que ela chegou a essa conclusão? São desafios muito grandes, alguns são até desafios de pesquisa. Por isso tenho um pouco de receio de como essa regulamentação vai ser feita.”

Rissoli destaca que a regulamentação “corresponde a um grande desafio, que deve contar com a participação de todos os interessados”. No entanto ele destaca que, em sua área específica, a IA é uma tecnologia relativamente nova, por isso “a regulamentação não pode restringir sua evolução”. Ele afirma que a regulamentação deve focar “em fazer da IA uma área centrada nas demandas humanas“.

“Procurar contribuir com os aspectos de inovação dessa tecnologia no nosso país. Promover, com a regulamentação, a utilização dela para desenvolvimento sustentável, segurança jurídica, proteção dos direitos humanos, respeito à privacidade”, explica Rissoli.

Ele também considera importante que “a regulamentação imponha punição aos que desrespeitarem as regras de responsabilidade”.

A inteligência artificial pode cimentar a privacidade como um conceito obsoleto?

Questionado sobre se será possível acomodar a privacidade ao avanço do uso da IA, Miceli diz que esse tema foi debatido durante a discussão da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), em que se abordou quais dados são públicos e quais não são.

Porém ele afirma que ainda tem “muitas reticências sobre essa questão, sobre o que é privacidade no mundo digital”.

“Para ter privacidade em uma era de dados devassados, é preciso ter muita consciência de quais serviços você está acessando, do que você disponibiliza nas redes sociais, de quais permissões dá para que as redes acessem esses dados.”

Ele acrescenta que considera ser necessário investir em educação digital, que inclui essas questões. “Uma educação digital diferente da que a gente tem dado à população. A gente tem dado cada vez mais novos produtos, mas sem alertar para os riscos”, explica Miceli.

Na avaliação de Miceli, um dos principais desafios do começo deste século será a conscientização do compartilhamento de dados. Ele explica que nos sistemas de IA o aprendizado da máquina depende do fornecimento de dados. Miceli diz que o importante é que esse compartilhamento seja uma escolha do usuário. Nesse contexto, “a privacidade deixa de ser algo inato e passa a ser uma opção consciente”.

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“Tem de haver uma campanha de conscientização do compartilhamento de informação, coisa que hoje, na sociedade, infelizmente não tem. E é muito severo, acho que é um dos grandes problemas do começo deste século, a gente ainda não está entendendo o boom de informações deste mundo digital que está se formando.”

Rissoli concorda com a importância de se investir em educação digital, “para que as pessoas tenham um melhor esclarecimento do uso contínuo dos recursos tecnológicos”.

“Porque, com todas as potencialidades desses recursos, pessoas com interesses não tão nobres também podem utilizá-los para obter alguma vantagem. É importante um melhor esclarecimento dos usuários não só no aspecto da inteligência artificial, mas da tecnologia de um modo geral, a fim de que possam se expor menos.”

Ele conclui afirmando que a questão da regulamentação do uso da IA não pode se tornar uma dificuldade.

“A inteligência artificial continua em evolução, é muito jovem a ciência em si. Se, de repente, ocorrer uma regulamentação nacional sem ouvir, sem abrir espaço para todos que têm interesse e que podem se beneficiar dela, [a regulamentação] pode causar restrições e conter um pouco da evolução que ela [a IA] pode atingir e toda a inovação que ela vem produzindo não só no nosso país, mas em nível mundial.”

 

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