Joaquim de Carvalho
Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br
Vizinho do Alvorada tem arsenal em casa, com canhões e tanques, embora responda a processo por venda ilegal de armas e não poderia ter um revólver sequer
Lula, Janja, a casa com arsenal e Caramaschi (Foto: Ricardo Stuckert/Google Maps e Rede Social)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, dormem, literalmente, com canhões apontados para eles. Não é exagero. Do outro lado do lago Paranoá, onde fica o Palácio do Alvorada, situa-se a mansão de Emiliano Masson Conde Lemos Caramaschi, que tem em seus jardins, na beira do lago, canhões e tanques comprados do Exército. A distância entre a propriedade de Emiliano e o Alvorada é de 1,6 quilômetro, conforme o Google Maps.
As peças de artilharia que pertenceram ao Exército são antigas, mas ainda podem funcionar, mas o que tem capacidade para fazer um estrago no Alvorada são fuzis que fazem parte do arsenal de Emiliano Caramaschi, que se apresenta como “um dos maiores especialistas em armas de fogo do Brasil” e “o maior colecionador de armas de fogo e material bélico da América Latina”.
Mas Emiliano não poderia ter nem um revólver em seu poder, já que é réu num processo por venda ilegal de armas. Um dos documentos exigidos para a obtenção do certificado de registro de autorização para uso de armas de fogo é a declaração de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, conforme regulamentação do Exército.
E o processo contra ele, movido pelo Ministério Público na Vara Federal Criminal de Palmas, permanece aberto. A última movimentação é de janeiro deste ano.
Emiliano virou réu depois de ser investigado por vender um fuzil HK21 e outro AR15 – com acessórios para conversão em automática – para Cláudio de Araújo Schüller, ex-secretário municipal de finanças em Palmas, Tocantins.
Em setembro de 2016, Schuller foi preso depois de uma operação da Polícia Federal que localizou em seu poder 39 armas. Os policiais descobriram que uma das pessoas que venderam equipamento bélico a Schuller foi Emiliano Caramaschi e, em depoimento, ele admitiu ter negociado com ele aqueles fuzis e outras cinco armas, quatro delas como intermediário.
Na denúncia contra Emiliano Caramaschi, o Ministério Público Federal disse que ele omitiu informações ao Exército na documentação sobre a transferência de propriedade. Nas tratativas feitas por e-mail, Caramaschi informou que a HK21 não era o modelo simples, mas o completo (HK21E), que contém acessórios para conversão de semiautomática para automática.
Mesmo com a flexibilização nas normas para venda de armas que ocorreu durante o governo Bolsonaro, o comércio de armas automáticas continuou proibido. Procurado, Caramaschi disse que não sabia do processo na Justiça Federal em Palmas.
"Soube do processo via a matéria. E ele não tem pé nem cabeça", disse ele, a respeito de reportagem publicada no Intercept. "Estou conversando com os meus advogados para ver a melhor forma de me portar. E nunca fui nem citado", comentou.
Caramaschi disse ainda que entende ter sido legal a venda de arma para o ex-secretário de Palmas, mesmo com o acessório para conversão de semiautomática para automática.
Embora tenha dito desconhecer o processo, no decorrer da conversa comentou por que entende ter agido legalmente. "A forma que foi montado o processo faz pressuposições erradas, baseadas na legislação de hoje, não da época", afirmou.
"Esse é um ponto plenamente legal à época da transação. Estou atrás dos documentos da época que provam a legalidade da transação", declarou. Caramaschi disse que ainda não teria como enviar nenhum documento.
Ele fez questão de lembrar que é colecionador há mais de quarenta anos , "sou ateu, não tenho posicionamento político, somente um hobby que herdei e tento montar um museu", disse.
Filho de Hamilton Caramaschi, que foi personagem de uma reportagem da Folha de S. Paulo em 1997 sobre uma visita de Bill Clinton a Fernando Henrique Cardoso no Alvorada, ele é sócio do clube de tiro TacPro em Brasília, que tem o mesmo nome de um similar no Texas, Estados Unidos.
O clube é frequentado por policiais civis e federais, conforme a reportagem do Intercept. Um deles, Claudio Andrade, do Rio de Janeiro, postou vídeo em seu próprio canal em que faz os disparos com o fuzil de uso restrito. O clube aluga esse tipo de arma.
Uma delas é a Zastava M53 762, modelo fabricado na antiga Iugoslávia e idêntico à MG42, inventada pela indústria nazista e usada na Segunda Guerra. No vídeo que postou, Andrade se refere à arma como MG42, "0 terror da guerra". No título, acrescenta o nome do clube onde a utilizou: TacPro.
A munição que ele utiliza é o cartucho 762, o mesmo usado na AK 47. Até o governo Bolsonaro, essa munição tinha venda proibida no Brasil. A TacPro aluga também o HK-MP5, da mesma marca do fuzil vendido por Caramaschi ao ex-secretário de Palmas e também idêntico ao utilizado para assassinar a vereadora Marielle Franco, em 2018.
Com um MG42 ou a Zavasta M53, uma pessoa posicionada na mansão de Caramaschi poderia atingir facilmente um alvo no Alvorada, já que o alcance dela é superior a três quilômetros. Caramaschi e os amigos, que frequentam a alta roda em Brasília, não têm o perfil de quem cometeria um atentado desses.
"Queria que viesse a minha casa para entender, meu objetivo sempre foi o patrimônio histórico. Coleciono desde uniformes, medalhas , capacetes, tudo voltado à preservação da história militar", disse.
Mas o risco potencial existe. Tanto que, em 2007, a Folha de S. Paulo fez reportagem sobre a visita de Clinton e a falha na segurança dos EUA.
"A segurança do presidente dos EUA deixou que Clinton ficasse, por duas vezes, em Brasília, sob a mira de canhões, metralhadoras e até tanques de guerra. Um dos maiores arsenais privados do país esteve apontado para ele durante as seis horas que passou em jantar no Palácio da Alvorada. Teoricamente, teria sido possível bombardear o local", afirmou o jornal.
O pai de Emílio Caramaschi, Hamilton, já falecido, falou com a Folha à época. "Se eu quisesse, poderia ter bombardeado o presidente norte-americano. Mas avise a ele que eu sou de paz e que meu arsenal está desativado", ironizou.
O filho diz agora que os onze tanques de guerra e treze canhões expostos em seu jardim são "armamento da primeira e segunda guerra, que não são funcionais, mas nenhum rifle que atinge essa distância". A Zavasta M53 atinge.
Emiliano Caramaschi está no rol dos apoiadores da Ideia Legislativa nº 141889, de Thiago Albuquerque, apresentada em agosto de 2020, que torna o processo para o requerimento de armas de fogo no Brasil livre para qualquer brasileiro nato.
Caramaschi também fez uma brincadeira em sua rede social, que assustou até os amigos, ao postar foto em que se apresenta como alvo de um tiro na testa. Diante da reação dos seguidores, comentou que era maquiagem e reclamou: "Quanto mimimi".
O vídeo em que o policial atira com o fuzil automático Zavasta M53 na empresa da qual Caramaschi é sócio, pode ser visto abaixo:
Fonte: https://www.brasil247.com/blog/lula-e-janja-dormem-com-canhoes-apontados-para-eles-literalmente
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