quinta-feira, 1 de dezembro de 2016
Poderes duelam na beira do esbarrancado
A grande trombada entre os poderes, com potencial para uma ruptura
institucional, deu mais um passo. O Congresso fez da pior forma o que poderia
até ser bem compreendido pela população se feito de outro modo, com debate e
transparência. A coalizão Judiciário/Ministério Público/Lava Jato também reagiu
da pior forma, com ameaças chantagiosas, às mudanças no pacote anti-corrução,
que incluíram a aprovação de emenda sobre abuso de autoridade. O procurador
Deltan Dallagnol apelidou-a de “Lei da Intimidação do Judiciário e do Ministério
Público”.Num repto a Michel Temer, os procuradores ameaçaram renunciar à Lava
Jato caso a proposta seja aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente da
República. Só se esquecem de uma coisa: vetos podem ser derrubados pelo
Congresso e isso costuma acontecer quando o assunto é dar o troco. Ainda há
ingredientes explosivos para serem colocados nesta crise mas em algum momento
ela vai bater no muro.
No ponto crítico a que ela chegou hoje, a presidente do STF, Carmem Lucia,
disparou contra o Congresso emitindo sinal verde para que os outros subissem o
tom. Janot falou grosso, os da Lava Jato dispararam e do outro lado coube a
Renan Calheiros, como não poderia deixar de ser, responder em nome do Congresso
que preside: as dez medidas propostas pelo Ministério Público só poderiam ser
aprovadas no fascismo, disse ele, acrescentando que o Congresso não pode
deliberar por pressão externa. Renan, Justiça seja feita, é quem temdefendido
publicamente, com palavras francas, a necessidade de reequilibrar a balança
entre os poderes que, ao longo dos meses e numa sequência de episódios, pendeu
para o Judiciário, naturalizando uma supremacia que fere o princípio do
equilíbrio e da equipotência entre os poderes. Tipificar o abuso de autoridade e
estabelecer que magistrados e procuradores também respondam por crimes de
responsabilidade funcionais só viraram anátema por conta da supremacia
judiciária que foi se estabelecendo.
Já os deputados fizeram tudo do pior modo para eles mesmos. Inicialmente,
aprovaram na íntegra as dez medidas do Ministério Público. Deram a impressão de
engolir propostas que Renan associou ao fascismo, como a flexibilização do
habeas corpus e a criação da figura do reportante do bem, medida que estimulará
o dedurismo recompensado, adubando a semente do estado policial. Ou o confisco
alargado dos bens de um investigado, mesmo não estando provado a conexão com um
crime de corrupção. Foi ingenuidade dos procuradores acreditar que o Congresso
iria permitir a criminalização dos partidos políticos e a perda de registro por
envolvimento de seus dirigentes em delitos. Os partidos não são indivíduos,
pelo contrário, representam uma massa de filiados e eleitores que não podem
responder por atos dos dirigentes. Eles que sejam punidos. A criminalização do
caixa dois, por exemplo, foi aprovada, e em lugar da anistia, os deputados
optaram por aprovar a emenda sobre abuso de autoridades de magistrados e
procuradores. A população talvez compreendesse a impertinência de algumas das
medidas derrubadas se a Câmara tivesse optado por um debate mais prolongado,
expondo os inconvenientes que representam não para eles, unicamente, mas para
toda a sociedade. O reportante-dedo-duro-premiado, por exemplo, pode germinar
perigosamente na atual cultura envenenada pela cruzada moralista. A Câmara, ao
invés de sustentar este debate, foi pelo atalho. Votou o pacote, fingiu que o
engoliu e quando a noite ia alta começou a aprovar emendas. Mas no final do dia
estava claro que isso iria acontecer. Ou pelo menos que o abuso de autoridade
passaria. No cafezinho do plenário, o que mais havia eram deputados engasgados
com o pacote.
O Senado acaba de rejeitar o pedido de urgência para a votação do pacote
recebido da Câmara. Mais que derrota de Renan, sinal de que os senadores viraram
bombeiros, querem baixar a temperatura. Mesmo com o recuo, não creio que o
Senado aceitará o emparedamento que o Ministério Público tentou impor à Câmara
e acabou perdendo. Os procuradores demonstraram, neste processo, não compreender
nada do processo legislativo. Ali nada é aprovado tal como proposto, nem por
governos nem pelos próprios parlamentares. Não seria o Ministério Público, nas
atuais condições, que arrancaria de uma Câmara em estado de pânico com a
iminência das delações sobre caixa dois, de origem legal ou ilícita, que
arrancaria do plenário a chancela integral de sua proposta, por mais assinaturas
de apoio que tenha tido.
Os senadores recuam por temer o agravamento, a crise institucional
propriamente dita, mas também por saberem que, nesta guerra, a força está com a
coalizão Judiciário/Ministério Público/Polícia Federal. O lado podre da corda
está com o Congresso, onde Renan responde a uma dezena de processos e mais de
uma centena de parlamentares podem aparecer na lista da Odebrecht. Já vazou
delação da Odebrecht contra Jucá, que teria centralizado o recebimento de R$ 22
milhões para ele, Renan e companhias peemedebistas. Os procuradores não brincam
em serviço.
Este confronto, agora em seu pico, já estava há muito anunciado. O Supremo,
a Lava Jato e Moro já atravessaram muitas vezes a linha do limite e o Congresso
não reagiu. Lula e Dilma foram ilegalmente gravados e as conversas ilegalmente
divulgadas. O STF, guardião da Constituição, lavou as mãos. Como a vítima era o
PT, o Congresso não tossiu. Delcídio do Amaral foi preso no exercício do mandato
e sem flagrante. O Senado mugiu mas, acuado pela mídia diante do vazamento das
conversas estarrecedoras do então senador petista, homologou a prisão autorizada
pelo ministro Teori. Em Curitiba acontecem desatinos em série contra as
garantias individuais mas o STF não enfrenta Moro. Lula precisou ir à ONU porque
não encontrou aqui respaldo a suas denúncias sobre a parcialidade e a
perseguição movidas por Moro.
E o STF, para completar, continua legislando. Se “a turma do deixa disso”
não entrar em campo, na semana que vem a Câmara pode revidar com mais um tiro: a
aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), de projeto que
tipifica como crime de usurpação de competências de um poder por outro.
– Estou sendo muito cobrado a colocar meu parecer em votação mas achei que
este não era o melhor momento. Vou deixar estas dez medidas serem votadas
primeiro. Mas a pressão aumentou com esta notícia de que o Supremo mais uma vez
legislou, aprovando o aborto até os três meses de gravidez – dizia o deputado
Marcos Rogério (DEM-RO), que é o relator do projeto na CCJ, durante a votação
das medidas, mas antes da aprovação das emendas.
Agora, temos dois poderes na trincheira e no meio, um Temer desafiado.
Aguardemos os próximos tiros, torcendo para que não sobrem para a democracia,
este lírio açoitado.
http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/268135/Poderes-duelam-na-beira-do-esbarrancado.htm
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