por : Diario do Centro do Mundo
Publicado no Justificando.
POR PAULO IOTTI
Pouco tempo após a eleição presidencial, de 2014, o PSDB ingressou com
Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e uma Ação de
Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), pleiteando a impugnação e
consequente cassação da chapa Dilma/Temer. Posteriormente, Aécio Neves, o
candidato derrotado por Dilma Rousseff, declarou que apostava que ela não
terminaria o seu mandato.
Por outro lado, como também todas e todos sabem, no final de 2015, foi aberto
processo de “impeachment”, contra a Presidente da República, sob alegação de
prática de crimes de responsabilidade, circunstância indispensável à validade
constitucional de uma destituição de Presidente, por impeachment, que não se
limita a uma mera ritualística, pela imposição da vontade arbitrária dos/as
Parlamentares, como se voto de desconfiança parlamentarista fosse – exige essa
parte substancial, para sua validade. A defesa da Presidente sempre alegou a
manifesta ausência de crime de responsabilidade, tese esta que, se aceita,
implica na absoluta nulidade da decretação de seu impeachment. Daí a tese do
golpe, a qual não pretendo aqui rediscutir, até porque sobre isso já me
manifestei, em artigos em coautoria com os Professores Doutores Marcelo Cattoni,
Alexandre Bahia, Diogo Bacha e Silva e Emílio Peluso Neder Meyer.
Ao passo que, cabe destacar, após sua destituição, Dilma Rousseff impetrou
dois mandados de segurança, pleiteando a anulação do “impeachment”, que pendem
de julgamento no STF (MS 34.371 e 34.441), nos quais apresentei, em nome do
Deputado Jean Wyllys (PSOL/RS), manifestações de amicus curiae,
ratificando os pedidos e suas teses, com base, em síntese, nas teses no artigo
com Marcelo Cattoni e Alexandre Bahia. Sem falar em anterior mandado de
segurança, movido contra o recebimento da denúncia de impeachment, por Eduardo
Cunha (MS 34.193).
Quero chamar a atenção, no presente artigo, para a absurda e irrazoável
demora, do STF e principalmente do TSE, no julgamento de ditos processos.
Sobre o TSE, não obstante tenha havido um primeiro julgamento, de extinção do
processo (esse, sim, relativamente rápido), ele foi posteriormente reformado em
grau de recurso, para, depois, ser realizada ampla dilação probatória. Chama a
atenção a manifesta falta de prioridade atribuída a um processo que trata da
liderança política fundamental do país. Ora, a igualdade jurídico-constitucional
demanda tratar desigualmente situações desiguais, sendo, assim, absolutamente
incompreensível que a impugnação de uma chapa não tenha sido julgada, em
definitivo, até o final do ano seguinte da eleição.
Entenda-se que ao caso está, aparentemente, sendo dispensada a tradicional
vagarosidade do Poder Judiciário, o qual, realmente, precisaria de uma estrutura
(de juízes/as e funcionários/as públicos/as) muito maior que a que tem. De
qualquer forma, é politicamente absurdo e juridicamente muito questionável
permitir-se que o processo sobre a cassação ou não do(a) ocupante da
Presidência da República demore tanto para ser julgado, em
definitivo. Na verdade, toda impugnação de chapas vencedoras (também as
estaduais e municipais) deveria ter um tratamento prioritário sobre outros
processos. Mas, pelo menos, a impugnação da chapa vencedora da
Presidência da República mereceria uma prioridade especial –
especialmente em países como o Brasil, cujo Federalismo concentra muitos poderes
à União.
Aliás, finalmente, foi anunciado que o julgamento se iniciará, na próxima
terça-feira, dia 04.04.2017, pouco mais de dois anos e meio do pleito eleitoral
– logo, passada mais da metade do mandato, situação altamente prejudicial à
democracia, a prevalecer a compreensão de que a mandatos cassados se aplicaria a
mesma regra de impeachment após a metade do mandato, o que enseja eleição
indireta, pelo Congresso Nacional – tal eleição, aliás, ninguém sabe como
será, já que temos, aqui, nova omissão inconstitucional do nosso Legislativo,
que não criou lei estabelecendo parâmetros e procedimentos para tanto… Só isso
deveria ter feito com que o TSE tivesse dado absoluta prioridade ao julgamento
definitivo do caso (desde rápida apreciação do recurso, que reformou a citada
decisão extintiva do processo, até a instrução e julgamento do feito).
Sobre os mandados de segurança, impetrados por Dilma Rousseff, contra o assim
denominado “impeachment”, decretado pelo Senado, o que chama a atenção é a
mudança de postura institucional, do STF, sobre o tema. Isso porque o anterior
Presidente da Corte, Ministro Lewandowski, declarou à imprensa, na época das
impugnações da defesa de Dilma, via mandados de segurança, sobre aspectos
primordialmente de rito (nunca sobre a ausência de “justa causa”, objeto dos
dois mandados de segurança em questão), que ele daria, como deu,
prioridade ao julgamento dos mesmos.
Prioridade esta também, obviamente, a eles dada, pelos respectivos Ministros
relatores, de tais processos. Precisamente, por se tratar de questão de absoluto
interesse da Nação a rápida definição sobre a destituição, ou não, da
Presidente, legitimamente eleita. Ocorre que tal prioridade, simplesmente,
desapareceu, relativamente aos mandados de segurança que impugnaram o mérito da
ação. Isso desde o seu relator, o falecido Ministro Teori Zavascki (que só
enviou, para parecer da Procuradoria-Geral da República, o MS 34.371 em
11.11.2016; o MS 34.441, em 02.02.2017, aproximadamente seis meses depois da
distribuição do processo – e, mesmo com o parecer da PGR ao MS 34.193, desde
05.09.2016, não elaborou seu voto, liberando o caso para julgamento). Em razão
de sua trágica e lamentável morte, Zavaszki, como se sabe, foi substituído pelo
Ministro Alexandre de Moraes. Será que o notório e inconteste aliado político do
Governo Temer terá interesse em elaborar rapidamente seu (previsível) voto, para
possibilitar o célere julgamento do processo? Só o tempo dirá…
De qualquer forma, é incompreensível e injustificável tamanha demora, no
julgamento destes casos, pelo STF, tanto por seu Relator quanto por sua
Presidência (que poderia conclamá-lo, ainda que apenas moralmente, a
dar prioridade a um processo tal, como a Corte fez com as impugnações
procedimentais sobre o processo de “impeachment”). Essa verdadeira “novela”
(impeachment x golpe), que assolou o ano de 2016, deveria ter se finalizado
ainda em 2016 ou, no máximo, no início de 2017, com decisão definitiva, do STF,
sobre o tema. E entenda-se. Embora o prazo de menos de um ano obviamente seja,
na generalidade dos casos, algo que não se possa dizer como “demorado”, no caso
concreto de “impeachment” decretado na metade do segundo ano de mandato
presidencial (de quatro anos), os mandados de segurança que o impugnam
deveriam ter recebido absoluta prioridade, por conta da obrigação, decorrente da
igualdade material, de se tratarem casos desiguais de maneira desigual – no
caso, dar-se absoluta prioridade às ações que impugnam a decretação do
“impeachment”, pelo Senado Federal.
Até porque, convenhamos, o Supremo Tribunal Federal não pode “lavar as
mãos” – deve esclarecer se vislumbrou, em tese, a existência de
adequação aos tipos legais, nas condutas imputadas à Presidente Dilma Rousseff,
como “crimes de responsabilidade”, para se saber se as decisões de Câmara e
Senado respeitaram, na visão da Corte, a exigência constitucional de tipicidade
estrita na definição de crimes de responsabilidade (art. 85, par. único, da
CF/88).
Ou seja, saber se os fatos que ensejaram a condenação de Dilma Rousseff
constituíam, em tese, crimes de responsabilidade – o Senado é soberano para
definir se há provas do/a Presidente ter praticado determinado fato, mas a
valoração jurídica dos fatos tidos como provados sempre foi competência
do STF, em matéria de recurso extraordinário, não havendo motivo para não se
aplicar essa compreensão à análise do impeachment, já que também no
recurso extraordinário a Corte não pode discordar do chamado “quadro fático” que
o Tribunal de 2ª Instância entendeu caracterizado, pelas provas dos autos – mas
pode revalorá-lo juridicamente, aduzindo que a consequência jurídica é
outra que não a do tribunal inferior – como se caracteriza, aliás, o Senado,
tido, por ficção jurídica, como colegiado de juízes, no julgamento do
impeachment).
Será lamentável se as ações perderem objeto, por eventual cassação da chapa,
pelo TSE. Tivesse o TSE julgado de maneira célere (e definitiva) as ações de
impugnação da chapa Dilma/Temer, talvez nem processo de impeachment
teríamos tido, se a cassação ocorresse antes de seu início. Mas, no contexto da
inexistência deste julgamento “célere” (e definitivo) pelo TSE, o STF deveria se
manifestar sobre o tema do impeachment.
No mínimo, para a comunidade jurídica brasileira saber se a Corte considera
juridicamente possível a excepcionalíssima anulação de impeachments,
caso a Corte constate que os fatos imputados não configuram, nem em tese,
“crimes de responsabilidade”, ou (para sabermos) se a Corte vai admitir que
nosso impeachment seja, absurdamente, equiparado ao voto de
desconfiança parlamentarista, de sorte a permitir sua decretação mesmo fora
das taxativas hipóteses legais (algo, manifestamente, inconstitucional, pela
citada exigência de tipicidade estrita decorrente do art. 85, par. único, da
Constituição).
Seria importante saber se a Corte acha “válido” (“aceitável”, “tolerável”
etc) que o Senado decrete “impeachment” por fato atípico ou de forma
manifestamente contrária à prova dos autos, como (parafraseando) alega Dilma
Rousseff, nos citados mandados de segurança. Se o aceitar, então teremos um
verdadeiro “parlamentarismo à brasileira”, na medida em que estará
praticamente apagada a diferença central entre Presidencialismo e
Parlamentarismo, que consiste no fato do impeachment presidencialista
depender, salvo disposição constitucional em contrário, de previsão legal que,
taxativamente, aponte quais fatos podem justificar sua decretação, enquanto o
voto de desconfiança parlamentarista permite a sua decretação por
qualquer discordância política do Parlamento para com o(a)
Primeiro(a)-Ministro(a).
Ou seja, se o STF considerar “tudo bem” decretar-se impeachment fora
das taxativas hipóteses legais, ou admitir que se “diga qualquer coisa sobre
qualquer coisa”, não exercendo sua imanente função contramajoritária, na
garantia da Constituição e (no caso) da Lei do Impeachment (em sua
taxatividade), para aceitar que o Senado diga que um fato manifestamente atípico
(ou seja, não se enquadra na hipótese legal) seria, na verdade, típico, então
teremos tido uma mutação inconstitucional da Constituição Brasileira,
que terá adotado uma espécie de pseudo-parlamentarismo, com a única diferença da
necessidade de um longo e desgastante processo, de cartas marcadas, neste nosso
“parlamentarismo à brasileira”.
Não parece, com todas as venias, a melhor exegese do Direito
Constitucional brasileiro.
Em suma, STF e TSE violam o direito fundamental à razoável duração do
processo, dadas as peculiaridades do objeto das ações em comento, ao não as
terem, ainda, julgado, fazendo a democracia brasileira continuar agonizando, por
não ter certeza sobre quem ocupará a Presidência da República até o final de
2018. É incompreensível e injustificável que o TSE leve quase 3 anos para
julgar, em definitivo, a impugnação de um mandato de 4 anos (!), ao passo que o
STF deveria ter dado maior prioridade aos mandados de segurança que questionaram
a ausência de justa causa para instauração e decretação do impeachment da
Presidente Dilma Rousseff.
Por Paulo Iotti, advogado e professor
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/stf-e-tse-desrespeitam-a-democracia-ao-demorarem-a-julgar-impeachment-e-chapa-por-paulo-iotti/
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