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quinta-feira, 27 de abril de 2017

‘GOLPE DE ESTADO ESTÁ EM CURSO’, ALERTA ANDRÉ SINGER

Por Lilian Milena, do Jornal GGN – O golpe parlamentar que derrubou a presidente Dilma pode estar gerando um novo golpe, desta vez do próprio Estado brasileiro. A análise é do cientista político e professor titular da USP, André Singer, feita durante sua participação na segunda rodada do Ciclo Pensando a Democracia, a República e o Estado de Direito no Brasil, realizada segunda-feira (24) em São Paulo.
Sua tese está fundamentada no enfraquecimento das forças do campo popular, exatamente como ocorreu antes do golpe de 1964. "Há uma semelhança tão grande entre o que aconteceu em 1964 e o que está acontecendo hoje no Brasil, em que pese o fato de que, até este momento, as forças armadas não tenham entrado em ação, que me faz pensar num desfecho semelhante", argumentou.
Segundo o professor, uma das “provas de fogo” da democracia é justamente a garantia de alternância de poder que, no caso de em um país desigual como o Brasil, é definida no conflito entre as classes mais ricas e mais pobres.
“Uma vez essa alternativa popular [das classes mais pobres] tendo se constituído [na presidência, como ocorreu com o PT], é difícil para o partido opositor, que tende a ser no caso brasileiro um partido de classe média, ganhar as eleições democraticamente. No entanto, isso tem que acontecer para que a democracia brasileira possa de fato existir, tem que acontecer essa vitória eleitoral de um partido de classe média”.
Um cenário de ascensão de outra sigla partidária já estava sendo previsto por analistas políticos que apontavam o PSDB, principal representante da classe média, como possível vencedor do pleito em 2018. “Assim como se daria com a UDN, antes de 1964”, completou Singer.
Entretanto esse “tipo de normalidade democrática, em que partidos de campos sociais diferentes trazem propostas diferentes” e disputam em pé de igualdade as eleições foi rompido tanto em 1964, quanto mais recentemente, em 2016, com o impeachment de Dilma, sem a comprovação de crime de responsabilidade fiscal.
“Se nós lermos com atenção os debates que ocorreram em torno do impeachment da presidente Dilma, ficará claro que ela foi condenada, como se costumava dizer na época, pelo 'conjunto da obra', mas isso não está previsto na Constituição".
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Surtos de exceção
A crise política, entretanto, não acabou com a queda de Dilma ampliando ainda mais os riscos de o campo popular ser alijado da disputa eleitoral em 2018, colocando o país no caminho para o estado de suspensão dos direitos.
"[Agora] estamos em uma situação intermediária que eu chamo de lusco-fusco, uma situação que oscila entre a plenitude democrática e surtos de exceção”, destacou o cientista político.
E, esses “surtos” identificados por Singer foram marcados por três acontecimentos mais recentes, sendo o primeiro deles a desconstrução da Constituição Federal de 1988, logo após o golpe parlamentar de 2016, com as medidas da aprovação do Projeto de Lei 4567/16 que pôs fim à participação obrigatória da Petrobras no pré-sal; a aprovação da PEC 55 que congelou os gastos federais por 20 anos; e as reformas da previdência e trabalhistas, mesmo com a desaprovação da maior parte dos brasileiros.
“É verdade que tudo está sendo feito dentro de um Congresso, mas de um Congresso onde se arvora uma iniciativa que não tem a legitimação de uma eleição presidencial que é aquilo que, na democracia brasileira, costuma ser, e é fundamental, para que medidas desse teor possam vigorar dentro de um sistema que nós possamos chamar de democrático", pontuou.
Intervenção policial
O segundo fenômeno que comprova o fortalecimento de um estado de exceção no Brasil é o aumento da intervenção policial em locais de debates públicos como escolas, teatros e universidades. Um exemplo recente e emblemático foi a invasão da Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, em novembro.
“A Polícia Civil, em posse de um mandato de busca e apreensão invadiu o local a força disparando tiros, demonstrando o grau de hostilidade àquela organização popular", frisou o cientista político.
E todas essas ações de intervenção policial são reforçadas pela ascensão de grupos de estrema direita que, mesmo que ainda não representem a maioria da população, cresceram em quantidade significativa nos últimos anos para dar suporte a medidas como essas, de caráter autoritário, assim como foi em 1964.
Instrumentalização da Lava Jato
Por fim, Singer indicou a transformação da Lava Jato em arma política. "É evidente que qualquer posição republicana seja ela de esquerda, centro ou direita, deve ser a favor disso [de investigar e condenar casos de corrupção]. No entanto, o problema é que a Operação Lava Jato vem sendo claramente, do meu ponto de vista, instrumentalizada para finalidades partidárias".
Prova disso, relembrou Singer, é a quantidade de medidas de exceção judicial praticadas por agentes da própria Lava Jato, como "prazos dilatados de prisão de pessoas que não sofreram condenação", confirmado quando o próprio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao receber um pedido de afastamento de Sérgio Moro, de advogados que acusaram o juiz de realizar investigações que ignoravam os limites da lei, decidiu que as regras da operação não precisavam seguir as regras dos processos comuns, arrematando que "problemas inéditos exigem soluções inéditas".
Singer acrescentou que a instrumentalização política da Lava Jato se tornou mais clara quando no dia 3 de março de 2016 a revista IstoÉ lançou uma edição extraordinária no meio da semana, com uma matéria baseada no vazamento de uma suposta delação do ex-senador Delcídio do Amaral, levantando a acusação de que Lula e Dilma procuravam obstruir a operação da Polícia Federal.
O artigo foi utilizado amplamente como material na cobertura dos demais meios de comunicação e, dois dias depois, o ex-presidente Lula foi conduzido coercitivamente para depor no aeroporto de Congonhas. Menos de uma semana após, três promotores de São Paulo entraram na justiça pedindo a prisão do ex-presidente no caso Triplex do Guarujá, mas a solicitação foi negada.
Para completar, o juiz Sérgio Moro resolveu divulgar diálogos entre a ex-presidente Dilma e o ex-presidente Lula em situações totalmente ilegais como ficou comprovado após o Ministro do Supremo, Teori Zavascki, morto em janeiro, chamar a atenção de Sérgio Moro que, publicamente, pediu esculpas.
Todos esses acontecimentos reforçaram ainda mais a insatisfação popular dando o apoio que os deputados da Câmara dos Deputados precisavam para votar a favor do impeachment.
Cerco em Lula
Entre todos os grandes líderes que o país já teve, Lula é o único réu e mesmo após a divulgação das delações da Odebrecht apontarem para acusações muito mais relevantes de corrupção evolvendo outros políticos, o ex-presidente continua sendo a principal personagem na mira da Lava Jato. Para Singer, esse último quadro colabora ainda mais para sua tese de que existe um grande esforço em curso para impedir que as forças populares – onde Lula encontra seu maior apoio – possam disputar os próximos lances do jogo político.
“Se de fato isso vier a acontecer, creio que nós estaremos em face de um golpe de Estado, que nos levará a um novo ciclo e que as condições para que isso ocorra, a alternância democrática, terão que ser reconstruídas”, concluiu.
A série de palestras do Ciclo Pensando a Democracia, a República e o Estado de Direito no Brasil continuará nos próximos meses em encontros alternados que vão acontecer em Belo Horizonte, todas as primeiras segundas-feiras do mês, no auditório do BDMG, e em São Paulo nas últimas segundas-feiras do mês, no Teatro Aliança Francesa, com transmissão ao vivo do Jornal GGN dos encontros que ocorrerão na capital paulista. Clique aqui para mais informações.
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/292501/%E2%80%98Golpe-de-Estado-est%C3%A1-em-curso%E2%80%99-alerta-Andr%C3%A9-Singer.htm

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