Quando eu e um grupo de feministas veteranas, em 1975, fundamos a primeira entidade para refletir sobre a questão da mulher e defender os seus direitos, tínhamos várias ilusões. Uma delas era que a liberação sexual feminina que estava na maioria das cabeças, associada à pílula anticoncepcional, ia reduzir, ao mínimo, a prática da prostituição.
Eu, pessoalmente, sempre achei que a prostituição humilha a mulher que se vende e o homem que lhe compra o sexo. Humilha a mulher por que lhe nega o direito de doar livremente o corpo, e humilha o homem por que lhe mostra que não é capaz de inspirar desejo, precisa pagar e recebe o troco em moeda de fingimento.
Passados tantos anos, tantas lutas, e obtidas tantas conquistas, vejo que uma grande personagem da televisão, discutida em todos os círculos da sociedade é - uma prostituta. Linda e talvez bondosa, mas prostituta. Tenho encontrado garotas de programa que se orgulham de seu ofício.
Entrevistei uma delas para um programa de rádio e ela declarou enfática: "Nunca lavei calcinha de madame. Nunca esfreguei chão de cozinha dos outros", depoimento oposto ao de centenas de mulheres pobres que conheci na minha militância política e que afirmaram: "Ele me largou com três crianças pequenas. Então, fiz bolo, lavei roupa para fora, passei roupa, faxinei, trabalhei doze horas por dia, mas nunca precisei me prostituir e meus filhos nunca passaram fome".
As mãos cheias de calos. O rosto, precocemente envelhecido, mas aquela altivez de só terem transado por amor. E que história é essa de golpe da barriga? Há um borbolear de moças bonitas em torno de políticos poderosos ou empresários ricos. O útero vira uma cilada. O ventre, uma armadilha.
Se o otário gordo, feio, careca se imagina amado, pode depositar naquele ventre a chave do cofre e garantir para a mercenária uma polpuda pensão, um futuro sem preocupações financeiras. Não, não era isso que nós pretendíamos quando falávamos na libertação da mulher. Não queríamos libertá-la para que ela fosse avaliada pelo seu traseiro, para que vivesse no ritual das plásticas, das lipoaspirações, dos implantes de silicone.
Nem a igualdade reivindicada com os homens era para igualá-las em seus vícios. Era outro tipo de reivindicação, de plena cidadania. Não me alegra ver mulheres entrando em lojas pornô para comprar vibradores e equivalentes.
Gostaria de vê-las entrar nas universidades cujas portas lhes abrimos, nas bibliotecas, nas instituições de pesquisa, nos parlamentos. Em todos os locais em que se constroem o título da humanidade.
Heloneida Studart é deputada estadual
(Tribuna da Imprensa – 19set2007 – Opinião)
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