Expulsões violentas dos povos originários são alimentadas por lei que criminaliza a ocupação de terras
Michele de Mello
Movimentos indígenas e camponeses convocaram um ato nacional para o dia 10 de dezembro contra os despejos violentos - OLT Paraguai
Movimentos indígenas do Paraguai denunciam o despejo violento de 87 famílias da comunidade indígena de Cerrito, em Arroyo Guazú, estado do Alto Paraná. Este seria o segundo despejo forçado que acontece nesse território do povo Avá Guarani somente neste ano. Embora a Constituição paraguaia proíba desalojar comunidades indígenas, nos últimos dois meses, outros oito despejos foram registrados.
As forças de segurança do Estado se baseiam na lei Zavala-Riera, que penaliza com até 10 anos de prisão aqueles que "invadam imóveis alheios". Pela falta de documentação ou por ter o registro em nome de uma pessoa, as comunidades são classificadas como "terra mal habitadas". Segundo organizações sociais, 860 assentamentos indígenas e camponeses poderiam ser classificados como irregulares de acordo com a nova lei.
Em 2010, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já havia se pronunciado sobre a dualidade do texto constitucional, condenado a violência contra território indígenas e destacando "o fato de que as terras estejam nas mãos de particulares não é argumento suficiente para negar o direito de restituição territorial e resolver em consulta e consenso o conflito suscitado".
As organizações indígenas denunciam que os despejos servem para abrir caminho para o agronegócio e o narcotráfico, com plantações de soja, maconha e coca.
En defensa de la #vida y los territorios #campesinos e #Indígenas. #Reucupacion del Asentamiento 29 de Junio de San Vicente Pancholo-San Pedro, Desalojada en parte ayer por las fuerzas represivas, acción hecha de forma unificada entre varias organizaciones y Cuidadana de la zona.
Copiar link para o Tweet
A nova legislação, aprovada em setembro, foi proposta por dois senadores do partido Colorado, Fidel Zavala e Enrique Riera, sob a justificativa de combater o narcotráfico em terras que deveriam ser destinadas à reforma agrária. No entanto, na prática, a lei é aplicada contra as comunidades originárias do Paraguai.
Zavala, um dos 15 maiores donos de terra do Paraguai, questiona a destinação de 7,8 milhões de hectares de terra para a Reforma Agrária entre 1954 e 2003, afirmando que existem pessoas que não se encaixavam na lei e receberam terras. No entanto, um relatório da Comissão de Verdade e Justiça aponta que a família de Fidel Zavala, assim como a do ex-presidente, e também membro do partido Colorado, Horacio Cartes, foram beneficiadas com a entrega de 7,4 mil hectares de terras públicas durante a ditadura de Alfredo Stroesnner.
Hoje a família Zavala figura como 12ª maior proprietária de terras do país com 37.216 hectares registrados. Assim como o Brasil, o Paraguai figura entre o países com maior desigualdade na distribuição de terra. Cerca de 90% das terras estão nas mãos de 12 mil grandes propriedades, enquanto o restante se reparte entre 280 mil lotes de pequeno e médio porte, segundo a ONG Yvy Jara.
Policiais paraguaios desalojando comunidade indígena Mbya Guaraní, região de Abaí, no dia 27 de outubro / Reprodução / Facebook
Antonio Zena, representante da Juventude Operária Cristiana do Paraguai, explica que os empresários do agronegócio são os principais financiadores de campanha do presidente Mario Abdo Benitez.
"Mais do que nunca se visibiliza o macabro acionar deste governo a favor do agronegócio que inunda de sangue nossas terras ancestrais", afirma.
A Conferência Episcopal Paraguaia emitiu um comunicado exigindo que o governo pare os despejos e que o Ministério Público e outras instituições do Estado trabalhem para revogar a lei.
"Também pedimos que se proteja a vida dos mais vulneráveis, assegurando que as reivindicações legítimas ou conflitos de terra não sejam prejudicados a favor do poder econômico e outros", defendem em comunicado.
Cerca de 26 movimentos camponeses e organizações indígenas convocaram uma manifestação para o dia 10 de dezembro em repúdio às ações do Executivo nacional.
"Acreditamos que com a pressão da cidadania e instituições internacionais podemos rever essa lei que criminaliza a luta pela terra", afirma Antonio
Edição: Thales Schmidt
Nenhum comentário:
Postar um comentário