A três anos do bicentenário da Independência, o Brasil nunca teve sua soberania tão ameaçada quanto agora. E só é possível compreender o Brasil de hoje quando se estende a visão também para o quadro global. Nesta semana, John Bolton, assessor especial de Donald Trump, afirmou que a "Doutrina Monroe", que preconiza a América para os americanos, "está mais viva do que nunca". O que significa que, na visão de Washington, todo o continente, da Terra do Fogo ao Alaska, pertence aos Estados Unidos.
Anunciada em 1823, um ano depois do nosso 7 de setembro, pelo então presidente John Monroe, a doutrina era um grito de independência da América contra o colonialismo europeu. Mas ali já se elaborava, no 'planejamento estratégico' do futuro Império, que a influência sobre a região seria deveria ser exercida pelos Estados Unidos – e não por outras potências. No século 20, sucederam-se golpes na América Latina fomentados pela Casa Branca. Todos, sem exceção, impuseram governos-fantoche na região, alinhados com os interesses de Washington. Tudo isso já é História, está devidamente documentado por fontes oficiais e também disponível nas próprias universidades norte-americanas.
Após a Segunda Guerra Mundial, que deu origem à Guerra Fria, a oposição entre os blocos capitalista e soviético serviu como pretexto para novas intervenções estadunidenses na América Latina para combater o "comunismo" – fantasma sempre usado para que os Estados Unidos impusessem sua hegemonia na região. Por isso mesmo, João Goulart, um fazendeiro que pretendia ampliar a classe média brasileira e alavancar um modelo de desenvolvimento muito mais parecido com o 'sonho americano' do que com o regime soviético, foi derrubado.
Em 1989, com a queda do Muro de Berlim e o colapso do bloco soviético, analistas internacionais passaram a falar em "fim da História" e na era da hiperpotência americana. No entanto, o desfecho da globalização não foi exatamente aquele traçado nos think tanks de Washington. Não foram as multinacionais norte-americanas que conquistaram a China, a Ásia e todas as regiões do planeta. Ao contrário, foi a China que se converteu na planta industrial do mundo – e também na fronteira do desenvolvimento tecnológico, ao lado de países como a Coréia do Sul. Tanto os Estados Unidos quanto a Europa assistiram ao enfraquecimento de suas bases industriais.
No começo do século 21, imaginava-se que a humanidade poderia ingressar na era do mundo "pós-americano", marcada pela paz e pela prosperidade global, em que várias potências poderiam coexistir harmonicamente. No Brasil, o ex-presidente Lula governou exatamente neste período. E teve liberdade para ampliar as fronteiras do comércio e das relações geopolíticas do Brasil. Assim nasceram parcerias estratégicas com a China, com a Rússia, com a África, com os países árabes e com os vizinhos sul-americanos, sem que houvesse qualquer ruptura com os Estados Unidos ou com as antigas potências coloniais.
Com a descoberta do pré-sal e a futura aplicação de seus recursos na educação, o Brasil apontava para ser uma das grandes potências do século 21. No entanto, veio a reação. Em 2013, a ex-presidente Dilma Rouseff começou a ser derrubada não apenas para que o petróleo brasileiro fosse subtraído, mas também para que o Brasil fosse enquadrado nessa nova ordem mundial. Não mais a da globalização harmônica, ainda que com seus percalços, mas sim à da hegemonia imperial – o fenômeno que explica a queda de Dilma, a prisão de Lula e a ascensão de Jair Bolsonaro, um presidente que diz "Brasil acima de tudo", mas bate continência para a bandeira dos Estados Unidos.
A visão dos militares
Nos dias de hoje, o que ocorre no Brasil é apenas parte de uma guerra muito mais ampla entre Estados Unidos e o resto do mundo. Para a América do Sul, obviamente, vale a Doutrina Monroe – ou seja, todo o continente "pertence" ao grande irmão do norte. Mas também partem de Washington a disputa comercial com a China, o caso Brexit para fragilizar a União Europeia, o estímulo a novos movimentos separatistas e as provocações rotineiras à Rússia, que é a segunda maior potência militar do planeta. Na prática, os Estados Unidos hoje confrontam o "globalismo" porque a palavra representa um obstáculo ao imperialismo. O mundo se move em direção à Ásia, mas o velho Império reage com as armas que têm à mão.
Entre os militares, prevalece a visão de que um confronto entre Estados Unidos e China é praticamente inevitável. E que o Brasil, até por razões geográficas, fatalmente terá que estar mais alinhado a Washington. O que não se imaginava, porém, era o grau de rapidez e violência desse processo, com a tomada do Itamaraty, que hoje tem um chanceler totalmente alinhado ao Departamento de Estado, a entrega da Embraer e até mesmo da Amazônia, que será aberta para exploração "em parceria" com os Estados Unidos, como anunciou Bolsonaro.
A ocupação do Brasil pelas forças dessa nova ordem também produz diversos efeitos colaterais negativos para burguesia nacional. Basta notar os prejuízos já causados ao agronegócio nacional e também a decadência contínua da indústria nacional. Com 13 milhões de desempregados, o Brasil de 2019 é um caldeirão prestes a explodir.
De onde poderia vir a reação a esse processo acelerado de destruição nacional? Eventualmente dos militares. Mas é exatamente contra esta reação que atuam personagens como o "guru" Olavo de Carvalho e o "chanceler informal" Eduardo Bolsonaro. De um lado, o guru avisa que os militares devem se contentar com os empregos que ganharam na máquina pública. De outro, Eduardo viaja a países como Hungria e Polônia, que também estão ocupados por governos de extrema-direita alinhados com a nova ordem imperialista. E, não por acaso, Bolsonaro estimula o deputado Marco Feliciano a pedir o impeachment de seu vice Hamilton Mourão.
O fator Lula
Hoje, a maior ameaça à soberania nacional se chama Jair Bolsonaro e os generais brasileiros, que imaginavam ser capazes de cavalgá-lo, sabem disso. Se Bolsonaro foi um instrumento para a conquista do poder, ele também representa um risco real de que, após sua passagem, não exista mais um Brasil como nação independente. Sobrará apenas um território habitado por pessoas.
Os militares brasileiros hoje se veem diante de um impasse histórico. Caso se rendam de vez ao bolsonarismo, que os humilha diariamente, serão cúmplices desse processo de recolonização do país por um Império que tenta evitar sua decadência. É também importante lembrar que os Estados Unidos não oferecem nenhum plano Marshall para reconstruir o Brasil. Ao contrário, o que se oferece é apenas mais destruição e a instauração de um bangue-bangue, com a liberação das armas de fogo.
O Brasil, no entanto, possui um ativo único no mundo: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é, na definição do intelectual Noam Chomsky, o preso político mais importante do mundo. Com essa força simbólica, Lula poderá fazer sua voz ser ouvida no mundo inteiro, na defesa de uma ordem internacional mais justa e mais equilibrada.
A liberdade de Lula, portanto, pode vir a ser a alavanca para a libertação do Brasil, em sentido amplo. O povo brasileiro poderá recuperar seus direitos, os militares poderão se libertar de Bolsonaro e o país poderá voltar a tentar se afirmar como nação soberana e independente. Um bom sinal, nesta semana, foi a autorização para que Lula, silenciado pelo imperialismo, possa conceder entrevistas. Mas é preciso ir além e reincorporá-lo à cena política para evitar que o Brasil seja destruído de forma definitiva e talvez irreversível.
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