Condição está prevista em acordo de setembro passado, o mesmo que inspira procuradores da Lava Jato a formar fundo bilionário com dinheiro público. Especialistas apontam tentativa de criar "poder paralelo"
por Redação RBA publicado 10/03/2019 11h55, última modificação 11/03/2019 12h33
Petrobras/divulgação, Wilson Dias e Fabio R. Pozzebom/ABr
Deltan Dallagnol e Sergio Moro, idealizadores do fundo "a ser gerido pela sociedade" que utilizará dinheiro da Petrobras, pago por multa sofrida no âmbito da Lava Jato, operação de que foram comandantes
São Paulo – Uma multa de R$ 2,5 bilhões paga pela Petrobras ao governo dos Estados Unidos será desviada do Tesouro para um fundo gerido pelo Ministério Público Federal (MPF) e a cargo dos principais personagens da força-tarefa da Lava Jato. A operação indica, para analistas, que a operação se tornou um canal para o governo dos Estados Unidos ter acesso aos negócios da Petrobras e de que os procuradores da "República de Curitiba" podem ter ambições que pouco têm a ver com combate a corrupção.
Em princípio, o dinheiro inicialmente seria pago ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ). Mas por um acordo firmado em setembro de 2018 pela estatal brasileira com o DoJ, em troca do dinheiro vir para o Brasil a Petrobras se comprometeu a repassar informações confidenciais sobre seus negócios, inclusive patentes, ao governo norte-americano.
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O acordo diz que a Petrobras pagaria US$ 853 milhões de multas para que não fosse processada por crimes de que é acusada nos EUA – uma ação por si só bastante questionável. No entanto, no que está sendo considerado uma "grande jogada", o acordo da Petrobras com o MPF contraria decisões do STF sobre a destinação de verbas recuperadas pela Lava Jato, que são públicas, e estabelece o depósito de parte do total (US$ 682,56 milhões) numa conta vinculada à 13ª Vara Federal de Curitiba e gerido por uma fundação controlada pelo próprio MPF.
A parte principal do acordo com o DoJ trata das obrigações da estatal brasileira de criar um programa de compliance (conjunto de ações que garantem o cumprimento de todas as leis, regras e regulamentos aplicáveis visando a reputação de uma empresa) e um canal interno de relatórios de fiscalização. Mas é nos anexos do acordo, conforme mostra reportagem do portal Conjur, que é tratado "o principal": o destino do dinheiro em troca das informações sobre as atividades da Petrobras.
"Os relatórios provavelmente incluirão informações financeiras, proprietárias (de patentes), confidenciais e competitivas sobre os negócios (da empresa)", diz uma cláusula do acerto entre o MPF de Curitiba com o DoJ.
A intenção parece mesmo, segundo o Conjur, transformar dados sobre a estatal em ativos do governo americano. O portal destaca um termo do acordo que afirma expressamente que "a divulgação pública dos relatórios pode desencorajar cooperação, impedir investigações governamentais pendentes ou potenciais e, portanto, prejudicar os objetivos dos relatórios requeridos. Por essas razões, entre outras, os relatórios e o conteúdo deles são destinados a permanecer e permanecerão sigilosos, exceto quando as partes estiverem de acordo por escrito, ou exceto quando determinado pela Seção de Fraude e a Secretaria (Office), pelos seus próprios critérios particulares, quando a divulgação promoveria o avanço da execução das diligências e responsabilidades desses órgãos ou que seja de outra forma requeridos por lei".
A interferência do DoJ vai até o ponto de quem pode ou não ser funcionário e diretor da Petrobras. "A companhia [Petrobras] não irá mais empregar ou se afiliar com qualquer um dos indivíduos envolvidos nos casos desta ação. A companhia deve se engajar em medidas corretivas, incluindo repor seus diretores e a diretoria executiva", impõe o governo americano.
Poder paralelo
Em sua edição de sábado (9), a revista Carta Capital publicou reportagem em que ouviu diversos especialistas que apontam para o risco de o fundo que está sendo criado pelos procuradores de Curitiba "dar comando paraestatal para um movimento cujas ambições políticas são cada vez mais difíceis de esconder. Afinal, nem o principal artífice da operação (Lava Jato), Sergio Moro, resistiu aos encantos de uma cadeira no Planalto. E 2022 está logo ali", diz a revista.
A constituição de uma fundação privada para administrar o fundo de R$ 2,5 bilhões oriundos de uma multa paga pela Petrobras pode transformar os agentes da operação num "poder paraestatal", segundo a reportagem. Há o temor de que os recursos sejam utilizados para concretizar as intenções políticas da força-tarefa e do ex-juiz Sergio Moro, potencial candidato a presidente em 2022.
Se for constituída como uma ONG, a fundação que administrará o fundo "ficaria longe da fiscalização do Tribunal de Contas da União e do Portal da Transparência. Também não seria submetida aos ritos orçamentários do governo. Dessa forma, a Lava Jato entra na disputa pelos recursos por um caminho ausente de fiscalização e transparência."
Pela maneira como a fundação está sendo constituída, dezenas de milhões de reais serão aplicados, todo ano, em projetos sociais que promovam conceitos tão genéricos quanto "controle social", "cidadania", "formação de lideranças" e "cultura republicana".
Esse e outros fatores já despertaram a crítica de figuras públicas como o ministro Marco Aurélio Mello e o governador Flávio Dino. Este último defendeu a imediata entrega do fundo com R$ 2,5 bilhões para a União decidir como aplicar os recursos.
"Se um prefeito ou governador desviasse arrecadação de multas para uma ONG escolhida por ele, era condução coercitiva na hora", disse à Carta o advogado Marcelo Mascarenhas, membro da Associação Juristas pela Democracia.
O advogado André Lozano, co-coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), disse ainda que "a verba também poderia servir para financiar movimentos que, sob uma fachada de luta contra a corrupção, escondam ambições políticas."
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