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quinta-feira, 9 de junho de 2016

Dilma ao 247 (2): vamos rever os desmandos do governo interino

: Convicta de que será reconduzida ao poder na votação prevista para meados de agosto, no Senado, a presidente eleita Dilma Rousseff diz, na segunda parte da entrevista exclusiva concedida ao 247, que diversos desmandos da administração provisória de Michel Temer serão revistos; "Não existe hipótese de deixar o ministério da Ciência e Tecnologia dissolvido", diz, referindo-se à pasta fundida com a Comunicação, sob o comando de Gilberto Kassab; Dilma critica ainda o desmonte de políticas públicas voltadas para minorias, que sumiram na reforma administrativa de Temer, e também faz reparos à nova chefe da secretaria das Mulheres, Fátima Pelaes, que disse ser contra o aborto mesmo em casos de estupro; "O agente público não tem que gostar ou não gostar da lei; ele tem que obedecer e ponto"; ela afirma ainda que, após o fim desse processo, a lei de 1950 que rege o impeachment no Brasil será revista, justamente por permitir que um presidente provisório, como Temer, desmonte políticas públicas "sem um milímetro de legitimidade para isso"
9 de Junho de 2016 às 12:10
247 – Na primeira parte da entrevista exclusiva concedida pela presidente eleita Dilma Rousseff aos jornalistas Paulo Moreira Leite, Tereza Cruvinel e Leonardo Attuch, ela abordou a tentativa do governo provisório, de Michel Temer, de silenciar toda e qualquer divergência na sociedade brasileira. "A primeira tentação de todos os golpes, sejam eles militares ou parlamentares, é calar, silenciar. Calar a divergência. Tentam proibir até a palavra golpe. A única e mera expressão os incomoda", disse ela (leia mais aqui).
Nesta segunda parte, ela fala de sua volta, após a votação final do processo de impeachment no Senado, e diz que irá rever todos os desmandos da administração Temer. Confira abaixo:
247 – A senhora falava da tentativa de se calar a divergência. Há riscos de que esse governo provisório se transforme num regime de força?
Dilma Rousseff – Há esse risco, sim. Governos ilegítimos não gostam, por exemplo, da cultura. Extinguir o Ministério da Cultura, como fizeram, é atingir o simbólico, num país que precisa afirmar a diversidade nacional. Nós temos hoje um presidente interino que não tem um pingo de legitimidade e ainda não colocou os pés na rua. A força pode, sim, ser o próximo passo.
247 – O presidente é interino, mas, em tese, legitimado por um processo de impeachment.
Dilma – Esse processo de impeachment trata de seis decretos de crédito suplementar e do Plano Safra, que eu sequer participei da elaboração. Como não há o menor indício de crime de responsabilidade, trata-se, evidentemente, de um golpe. O fato é que se criou uma situação absurda no Brasil, com esse impeachment feito com base numa lei de 1950, com partes imensas que não estão reguladas. Temos um presidente interino que desmontou toda uma estrutura de governo. Ele desmonta programas e políticas públicas com zero de legalidade e assim fica mesmo difícil ir para a rua. Ele não tem legitimidade nenhuma. Sabe o que mais surpreende correspondentes internacionais e os emissários de governos estrangeiros que nos visitam?
247 – O que, presidente?
Dilma – O fato de nós estarmos vivendo uma situação única. Eu sou a presidenta eleita. Eu não saí do meu cargo. Eles são interinos, provisórios e acham que podem desfazer tudo. Uma coisa que eu tenho certeza que ocorrerá na volta será uma modificação dessa lei. Sem isso, o presidencialismo no Brasil não será uma farsa. Hoje, muitos falam em parlamentarismo. Alguns, em semiparlamentarismo. Outros, em semipresidencialismo. Mas é preciso que se diga que parlamentarismo no Brasil significa a hegemonia conservadora.
247 – Essa lei de 1950 foi feita por um político gaúcho, chamado Raul Pila, que era um doutrinário do parlamentarismo. Depois, foi regulamentada por outro político gaúcho, o Paulo Brossard, que também era parlamentarista. De certo modo, o parlamentarismo tenta se impor sobre o presidencialismo, sem que o povo seja consultado?
Dilma – Muito bem observado. Sabe quem era o Raul Pila? Um representante do Partido Liberal. O Paulo Brossard, idem. Essa lei de 1950 expressa uma visão parlamentar do poder. No parlamentarismo, o presidente pode ser retirado por um voto de desconfiança. O presidente também pode convocar novas eleições gerais e dissolver o parlamento. No nosso presidencialismo, deveria haver um equilíbrio. Digo isso porque o que aconteceu no Brasil foi uma eleição indireta travestida de impeachment, e, portanto, golpista, numa manobra em que todo o poder vai para o governo provisório e nenhum poder fica com quem foi legitimamente eleito. Portanto, algo está errado.
247 – Esse parlamentarismo imposto à força é a principal expressão do golpe?
Dilma – São várias as camadas do golpe. Uma delas, a mais óbvia, o processo de impeachment sem crime de responsabilidade, que culminou nessa eleição indireta. Depois, essa situação de um novo regime, que permitiu a um governo interino mudar as políticas públicas sem nenhuma legitimidade. Será preciso, num futuro breve, discutir os limites da interinidade.
247 – A senhora vai rever tudo o que o presidente interino fez ou não há nada que possa ser aproveitado?
Dilma – Teremos que rever, sem sombra de dúvida. Não existe hipótese de deixar o ministério de Ciência e Tecnologia dissolvido. Outras mudanças que eles fizeram só têm sentido dentro da estratégia deles, mas não atendem ao desejo da população. Por exemplo: quando retiram o S da Previdência Social, e colocam o ministério debaixo da Fazenda, isso expressa uma visão de mundo. Qual é? Retirar direitos dos aposentados e dos trabalhadores. Quando colocam o Incra na Casa Civil, isso também visa cortar direitos dos trabalhadores rurais ou acomodar interesses fisiológicos. Nada disso pode continuar, sem falar com o que fizeram com mulheres, negros, homossexuais, pessoas com deficiências e todas as minorias.
247 – Este governo provisório deu invisibilidade às minorias?
Dilma – Deu invisibilidade total. E dar invisibilidade, nesse governo de homens brancos, é uma forma de silenciar. Quando você torna algo invisível, ninguém cobra. Além disso, essa senhora que assumiu a Secretaria das Mulheres [Fátima Pelaes] disse uma coisa muito grave.
247 – A que a senhora se refere?
Dilma – Ela disse, depois se desdisse. Mas o que eles pensam é o que dizem pela primeira vez. Ela afirmou que não cabe aborto nem em caso de estupro. A lei brasileira foi sendo aperfeiçoada e mudada. O aborto é permitido em casos de estupro, gravidez de alto risco e anencefalia. Ao agente público, não cabe gostar ou não gostar. Ele tem que obedecer e ponto. Mas ela é só um dos exemplos.
247 – Quais seriam os outros?
Dilma – Depois veio o ministro da Saúde e disse que o SUS não cabe no orçamento. O outro falou em cortar o Bolsa Família, que custa 0,5% do PIB. Em seguida, se falou em desvincular o ganho dos aposentados do mínimo. Isso é muito grave. Atinge 70% dos aposentados, 23 milhões de pessoas. Se fizerem isso, nunca mais o benefício do aposentado será um salário mínimo. Vai voltar ao que era no tempo do Fernando Henrique Cardoso.
247 – Essa interinidade não estaria ao menos tendo o mérito de revelar ao povo brasileiro qual é a verdadeira face da direita brasileira?
Dilma – Ontem, recebi aqui um grupo historiadores, que são estudiosos da escravidão. Eles falaram uma coisa em que têm toda razão. A lógica do privilégio ainda é muito forte no Brasil. Ela se expressa nesse desrespeito aos mais pobres. Me falaram de um clube no Rio de Janeiro, onde as babás não podem se sentar nem ir ao banheiro. Infelizmente, ainda há esse sentimento no Brasil. Quando o pobre sobe um pouco, a Casa Grande surta.
Os próximos trechos da entrevista exclusiva da presidente Dilma Rousseff serão publicados entre hoje e amanhã.
Escute abaixo um trecho da entrevista com a Presidenta Dilma:
http://www.brasil247.com/pt/247/poder/237241/Dilma-ao-247-(2)-vamos-rever-os-desmandos-do-governo-interino.htm

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