Por Leonardo Attuch e Tereza Cruvinel
Eleito presidente da Câmara dos Deputados em total sintonia com o programa liberal que vem sendo implementado pelo governo Michel Temer, mas também com o apoio de parte do PT, do PC do B e do PDT, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) tem tentado contribuir para a construção de um ambiente de pacificação, num mundo político ainda conflagrado pela crise política que se iniciou desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff, em 2014.
Nesta entrevista exclusiva concedida ao 247, ele afirma que seria um grave erro tentar acelerar o relógio da Justiça para tornar o ex-presidente inelegível, em 2018. "O tempo da Justiça é o tempo da Justiça. E você não pode, para querer vencer nas urnas, acelerar um processo judicial. Isso seria o pior dos mundos", diz ele. Maia garante, ainda, que Temer não tem qualquer interesse em chegar a 2018 num quadro em que Lula tenha se tornado inelegível.
Sobre a agenda econômica, ele contesta que a abertura do pré-sal seja entreguista, defende o projeto de repatriação e a fixação de um teto de gastos públicos. Confira abaixo:
247 – A Câmara votará nos próximos dias a abertura do pré-sal, um tema que divide a sociedade e é visto por muitos como entreguismo. Como o sr. encara esse debate?
Rodrigo Maia – O projeto apresentado é equilibrado. Eu, que sou de um partido de direita, gostaria até que voltássemos ao regime de concessões. Mas entendo que o momento do Brasil exige mais diálogo e equilíbrio. Ele mantém o sistema de partilha, que vem dos presidentes Lula e Dilma, mas abre a possibilidade de a Petrobras ter a preferência, mas não a exclusividade. Isso é importante não apenas para o Brasil, mas sobretudo para o estado do Rio, porque hoje a Petrobras está muito endividada e não tem condições de assumir todos os projetos.
247 – O que muitos dizem é que, na gestão atual, de Pedro Parente, a Petrobras simplesmente vai deixar de exercer a preferência, abrindo espaço para as empresas internacionais. Isso não é um desfecho previsível?
Maia – A Petrobras mostrou, no modelo de concessão, uma capacidade enorme de competição. Se a Petrobras estiver reorganizada, eu tenho certeza que ela irá disputar os bons campos de petróleo.
247 – Não se trata de disputar, mas de exercer a preferência.
Maia – Isso, melhor ainda, ela vai exercer a preferência. O que eu acho é que o modelo atual, de exclusividade, com a Petrobras endividada, é muito ruim. E eu sinto isso dos próprios empresários. O Brasil hoje precisa muito de investimentos e nós precisamos atrai-los. As empresas estão com capacidade ociosa. Daí, portanto não vem. Onde você vai crescer? No petróleo e onde as concessões podem avançar.
247 – Outra discussão do pré-sal é preservar o conteúdo nacional. Qual é sua visão?
Maia – Evidentemente, o conteúdo nacional é importante. Todos temos a preocupação de que o Brasil não seja um mero exportador de matéria-prima. Mas é também preciso cuidado para não beneficiar A, B ou C. A competição é importante e as empresas brasileiras têm que ser competitivas. Porque se não forem, quem pagará mais caro será a própria Petrobras ou a sociedade como um todo.
247 – O caso da Sete Brasil seria o exemplo de um modelo distorcido de conteúdo nacional?
Maia – A Sete Brasil está aí para mostrar que o resultado não foi bom. O que eu sempre defendo é que as fórmulas artificias não funcionam. Não funcionam em política industrial de conteúdo nacional, não funcionam em medidas provisórias para baixar taxa de juros e preço da energia, de forma artificial. Olhando de longe a Sete Brasil, sem conhecer em profundidade, o que vejo é que se tentou criar uma megaempresa de forma artificial. Quando se faz isso, a qualidade do serviço não é tão boa e o preço é sempre pior.
247 – Uma segunda agenda econômica dos próximos dias é o projeto de repatriação de recursos depositados no exterior e não declarados. Não vai se permitir uma grande lavanderia oficial?
Maia – Nos acordos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, todos os países se comprometeram a fazer suas anistias. Não há mais sigilo no mundo. Para que o Brasil entre no acordo da OCDE, é preciso que o Brasil faça o seu acordo e dê condições para aqueles que têm recursos de origem lícita. Parece até uma contradição, porque a origem é lícita?
247 – Exatamente. Por que é lícita?
Maia – Não vamos anistiar corrupção, não vamos anistiar tráfico de drogas, tráfico de armas e outros crimes. Agora, imagina o sujeito que prestou um serviço no exterior, lícito, e por alguma razão não declarou. Esse poderá anistiar.
247 – Mas existe o crime fiscal.
Maia – Sim, o que será anistiado é o crime fiscal e por isso existe uma multa, uma penalidade. A Receita defende que seja sobre o valor movimentado em cinco anos. Alguns membros do Ministério Público falam do fluxo em 16 anos por causa do crime de lavagem. O que nós defendemos é que seja o saldo final do último ano. Até porque quem tem dinheiro lá fora vai fazer a conta. Vai pagar uma multa de quase 30% e ainda correr o risco de ser condenado por lavagem ou evasão? Por isso que o modelo viável é a multa sobre o saldo no final do ano. E quem decidir repatriar ficará anistiado de todos os crimes.
247 – Um ponto polêmico que surgiu foi a possibilidade de anistiar ou não políticos. Qual é a sua posição?
Maia – Se você olhasse do ponto de vista técnico, todo dinheiro de origem lícita deveria poder ser repatriado, independente da atividade profissional da pessoal. Até porque deve prevalecer o critério da isonomia.
247 – No caso de um político, o que se pressupõe é que o dinheiro de um político vem da corrupção.
Maia – Depende. Um político pode ter dinheiro fora porque trabalhou antes no setor privado. Ou porque tem família que desenvolve atividade empresarial. São situações distintas. Mas é óbvio que, no momento político atual, não há espaço para essa discussão. Os políticos estão vedados. Como a crise é muito profunda e atingiu a política, a legitimidade para o Congresso enfrentar essa agenda não é tão grande.
247 – Uma terceira agenda é a PEC dos gastos públicos. Existe consenso para votá-la?
Maia – Existe consenso na base. Na oposição, não, claro.
247 – Existe voto para aprovar?
Maia – O governo vai ter um bom resultado a meu ver.
247 – Isso não vai retirar muitos recursos da saúde e da educação?
Maia – Pela regra atual, já vai cair o gasto com saúde e educação, porque o PIB está caindo. Nós vamos garantir um piso muito maior do que o valor atual. Em proporção ao PIB, o Brasil não gasta pouco em educação. No caso da saúde, gasta abaixo da média mundial. O problema nosso é mostrar à sociedade que, pela primeira vez, está se fazendo uma reforma fiscal em que a conta não será cobrada da sociedade na forma de impostos, porque haverá um teto de gastos.
247 – O problema central da despesa pública não é conta de juros da dívida, que consomem mais de R$ 600 bilhões por ano?
Maia – Do nosso ponto de vista, aprovada a PEC do teto, vai se criar um ambiente de queda da taxa de juros. Se aprovarmos, numa segunda etapa, a reforma da Previdência, vai se ampliar o espaço para a redução dos juros. Já se tentou baixar juros e tarifa de energia por decreto. A gente viu o resultado. No fim, a tarifa de energia subiu e os juros também. Hoje tem dinheiro sobrando no mundo, mas o Brasil só vai se tornar novamente atraente se mostrar ao mundo que é um ambiente seguro.
247 – Um Judiciário hipertrofiado não contribui para a insegurança jurídica?
Maia – O Judiciário cresce quando há uma crise nos outros dois poderes. Com o Executivo e o Legislativo em crise profunda, já há alguns anos, isso vai fortalecendo o Poder Judiciário.
247 – Mas hoje o governo fala em concessões, quando vários concessionários ou foram presos em operações policiais ou quebraram. Isso não diminui o apetite de potenciais investidores?
Maia – A Lava Jato tem muitos méritos. Desvendou muitos fatos e revelou que os governos, como um todo, são uma peneira. Não se trata só de investigar e punir os criminosos, mas também de criar um sistema de controle para evitar que tais situações se repitam. Isso é o que nos deixa mais perplexos. Como se movimentou tanto dinheiro público e ninguém viu nada? Para quem está no Ministério Público, a ótica passa por aumentar a punição. Mas é preciso buscar a mudança sistêmica, para evitar que o Estado brasileiro volte a ser depenado.
247 – Há, na sua visão, exageros na Lava Jato?
Maia – O juiz Sergio Moro rapidamente revogou a prisão do Guido Mantega. Todo mundo erra. Isso mostra que a pessoa, quando está acertando muito, escorrega. Quando o ex-presidente concedeu aquele depoimento, havia um pedido de prisão. Ele tem bom senso. O mais importante é que se tenha equilíbrio. Se algumas pessoas colocam riscos a investigações, a prisão preventiva se impõe. Mas há também casos em que chamar uma pessoa para depor já resolve a questão.
247 – O investidor estrangeiro não se assusta com essa agenda policial?
Mais – Em alguns casos, pode ser que sim. Mas muitos também não querem operação-abafa e desejam um ambiente competitivo no País. O que eu acho é que a Operação Lava Jato tem que ter um ponto de chegada. Ela não pode se prolongar indefinidamente. Eles foram bem até agora. Foram onde ninguém havia conseguido ir. Mas é preciso colocar uma questão: quando é que isso termina?
247 – O financiamento privado não é, em grande medida, responsável pela chamada corrupção sistêmica?
Maia – Eu não gosto nunca de justificar o desvio de terceiros pela regra de financiamento. Eu discordo. O financiamento privado existe no mundo inteiro. O sistema foi usado pelos queriam cometer ilícitos para garantir sua perpetuação no poder, não só no governo federal, mas também em governos estaduais. Aqueles que não quiseram se adaptar a campanhas milionárias ficaram fora do processo. E isso não é uma questão exclusiva do PT.
247 – Há espaço para a volta do financiamento privado, como defendem partidos mais à direita?
Maia – Eu não acredito que o Senado vá votar essa matéria. A Câmara já votou essa questão, eu votei a favor, mas acho que ambiente hoje é propício para que a gente não volte para o financiamento privado e aproveite a crise para criar um novo sistema político.
247 – E como seria esse novo sistema?
Maia – Com financiamento público e de pessoas físicas e com lista fechada.
247 – Essa sempre foi uma bandeira do PT.
Maia – O DEM defendeu isso ao lado do PT, em 2007, quando o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) foi relator da comissão da reforma política.
247 – Qual o motivo? O voto em lista favorece os partidos mais ideológicos?
Maia – De certa forma, sim. Mas o motivo é outro. Depois da decisão do Supremo e dessa crise atual, o sistema deve ser aperfeiçoado, na mesma linha em que está, ou seja, sem financiamento privado. Para isso, o sistema eleitoral tem que ser modificado, para que as campanhas fiquem mais baratas. Alguns dizem: as pessoas não querem votar em partidos, mas em pessoas. E eu respondo: estão votando em quem? Com 50% de nulo, branco e abstenção, não estão votando em ninguém.
247 – E como você democratiza os partidos?
Maia – Tem uma coisa essencial e que democratiza todos. Basta proibir que os diretórios municipais não façam convenção. Quando você faz a convenção nos municípios, você elege os delegados, que pressionam os diretórios estaduais. É uma cadeia. E isso pode diminuir o caciquismo.
247 – O Brasil continua conflagrado. O sr. aposta numa pacificação ou ambiente continuará contaminado pela intolerância?
Maia – Já melhorou. Há mais diálogo com o Poder Judiciário e com o Ministério Público. A relação da Câmara e do Senado também melhorou muito. Mas o governo precisa, de forma permanente, manter diálogo com todos os partidos, inclusive da oposição. E essa parece ser a disposição do presidente Michel Temer.
247 – A legitimidade do governo continua questionada, não lhe parece?
Maia – A legitimidade de um governo pós-impeachment é construída todos os dias. Na agenda que ela coloca de superação da crise econômica e no diálogo com a sociedade.
247 – Um fator que tensiona o ambiente é a percepção, pela parte derrotada nesse processo, de que parte do governo pretende provocar a extinção de um partido, que é o PT, e a inelegibilidade do ex-presidente Lula. Existe paz com o aniquilamento do adversário?
Maia – Seria muito grave, e não vejo essa disposição no presidente Michel Temer, de querer colaborar com a inelegibilidade do presidente Lula. Essa questão não cabe aos políticos. Vai ser um erro se alguns políticos ou partidos decidirem pressionar o Judiciário. Não cabe a nós, políticos, contribuirmos mais ainda para judicializar a política e para tirar o presidente Lula das urnas.
247 – Lula deve então ser julgado pelas urnas?
Maia – Qualquer cidadão pode e deve ser julgado pela justiça, se houver indícios. Mas o Judiciário tem seu tempo, que não deve ser apressado por nenhum tipo de pressão ou de inclinação política. Não se pode querer forçar a mão para que a Justiça de primeira e segunda instância condene logo o Lula. Isso não é problema nosso. O tempo da Justiça é o tempo da Justiça. E você não pode, para querer vencer nas urnas, acelerar um processo judicial. Isso seria o pior dos mundos. Agora, essa influência não existe. Se a política tivesse interferência no Judiciário, não teríamos chegado a esse ponto. E não há nenhum interesse do presidente Michel Temer em tensionar o ambiente. Ele defende que eu aprofunde minha relação com a oposição porque isso é importante para a Câmara e para o governo dele também. Para fechar esse ponto, como não pode haver influência da política sobre o Judiciário, também não deve haver pressão por meio da chamada opinião pública ou dos meios de comunicação. Os juízes têm cargos vitalícios até como proteção a qualquer tipo de pressão.
http://www.brasil247.com/pt/247/poder/257981/Rodrigo-Maia-ao-247-não-interessa-a-Temer-ter-Lula-inelegível-em-2018.htm
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