Por Joaquim Palhares, na Carta
Maior
O conflito com as ruas e com as urnas está inscrito na natureza
constitutiva do golpe em curso no Brasil, cuja fidelidade pertence aos
detentores da riqueza, não ao país, tampouco a sua gente.
A agenda de
expropriação de direitos e alienação de patrimônio público que define essa
endogamia não pode ser submetida às urnas –nas quais já foi derrotada em quatro
eleições presidenciais sucessivas. Menos ainda à convivência política com aquele
que personifica esse antagonismo na alma e no coração do povo brasileiro: Luiz
Inácio Lula da Silva, uma liderança de carne e osso, com os limites da carne e
do osso, mas ainda assim a maior liderança popular da nossa história, porque
levou mais longe o compromisso com a igualdade social.
Pepe Mujica, em uma de
suas viagens ao Brasil, carimbou no golpismo, então ascendente, uma advertência
lapidar: ‘Devemos desconfiar sempre dos que pretendem corrigir o voto popular’.
Munidos de um power point colegial, e de uma retórica de macarthismo imberbe,
os proficientes promotores da Lava Jato se avocaram nesta quarta-feira, mais uma
vez, o papel execrado por Mujica.
Na condição caricata, acentuada pela
retórica de polícia política, lançaram-se ao derradeiro esforço de entregar a
encomenda contratada desde o início à Operação Lava Jato: impedir que a urna
eletrônica de 2018 submeta mais uma vez o nome de Lula ao escrutínio
popular.
A derrubada da Presidenta Dilma foi o degrau anterior dessa buliçosa
empreitada, que está condenada a ir além de todos os limites
constitucionais
Por uma razão bastante forte: o projeto golpista não é
incompatível apenas com uma disputa em terreno limpo contra Lula e contra o que
ele representa.
Ele é alérgico ao contato direto com o povo e com a
soberania, pelo simples fato de que nasceu para ir contra a vontade do povo
brasileiro.
O passo seguinte dessa escalada –não é temerário prever–
conduzirá ao enjaulamento do processo político, trazendo para o quórum seguro de
uma escória parlamentar, a eleição do sucessor de Temer, pelo voto indireto,
protegido do veredito da sociedade e blindado contra o clamor da
rua.
Delações coagidas e culpas presumidas, amarrotadas em um power point
infantilizado, avultam dos labirintos jurídicos da Lava Jato, onde o desejável
combate à corrupção foi abastardado em alavanca partidária de execração política
para o banir lideranças e forças populares incompatíveis com o Brasil das
elites.
A destruição da maior liderança popular da história brasileira é um
imperativo da empreitada grosseiramente previsível.
Para cumpri-la empunha-se
a lei do vale tudo.
O senhor Dallagnol condensou essa determinação omnívora
–peculiar ao código de uma comunidade legal que defende ‘provas’ obtidas por
meios ilegais– em uma sentença que permite interpretar como: ‘Não temos prova,
temos a convicção’.
Qual ?
A de que Lula era o cérebro, o ‘comandante
máximo’, o general de todo o suposto esquema de corrupção na Petrobras –que
começou antes de seu governo, mas isso não vem ao caso, nem cabe nos
esquematismos de um power point colegial.
Vem ao caso, porém, na defesa do
Estado de Direito.
Quando o Ministério Público se propõe acusar tão
gravemente um ex-presidente da República de ser o “chefe máximo da corrupção no
país” e o faz na fase inaugural da persecução criminal, que na verdade não
investigou e muito menos denunciou tal conduta criminalmente condenável,
portanto, sem possuir provas ou indícios, o Estado de Direito grita.
E
deveria ser ouvido.
Ao senhor Dallagnol cumpriria uma voz da Suprema Corte
advertir que ‘convicção’ para condenar quem forma é o juiz. Tão somente o
juiz.
Pelo menos no Estado de Direito em vigor no país é assim.
Não o era
na OBAN, durante a ditadura. Não. Ali, nas salas de tortura, um delegado, Sergio
Paranhos Fleury, formava suas convicções. E as executava, como sentenças
inapeláveis, com as próprias mãos.
Hoje a imprensa coorporativa também possui
convicções e as executa, com suas próprias manchetes.
O senhor Dallagnol não
é juiz; Sérgio Moro não é Sergio Fleury; a República de Curitiba não é a
OBAN.
Mas arvora-se, neste caso, o direito de condenar, repita-se, um
ex-presidente da República como ‘general supremo’ de um esquema de corrupção, no
qual teria auferido propinas no valor de R$ 3,7 milhões.
Apenas um dos
supostos subalternos seus –pois todos o seriam na fábula macartista dos
promotores de power point— como lembra a jornalista Helena Chagas, citando Pedro
Barusco, pagou só de multas à Lava Jato, cerca de U$S 100 milhões de
dólares.
Que ‘general’ é esse, cujo soldo é cem vezes inferior ao de um
soldado?
Seria apenas ridículo, se não fosse um atentado à democracia.
A
precariedade evidenciada no amadorismo de um power point é tamanha que o juiz
Moro, em nome da sua reputação, terá dificuldade em aceitar a denúncia ancorada
em retórica adjetiva, a dissimular a inexistência de provas efetivas,
principalmente porque esse fato não faz parte das investigações e da
denúncia.
Mas Moro o fará, pela simples razão de que para isso se constituiu
a Lava Jato. Ademais, aceitação não é condenação.
A falta de provas de que o
ex-Presidente seria o “general da corrupção”, todavia, deveria constranger um
guardião do Estado de Direito.
Ela avulta não apenas da convicção de
Dallagnol. Mas sobretudo, do fato de não se ter requerido a prisão de
Lula.
Não faz sentido o Ministério Público Federal não pedir a prisão de um
réu tipificado como comandante máximo do exército de corruptos da nação. Não o
fez porque não tem provas e nem indícios, evidentemente porque essa parte da
descabida acusação sequer faz parte das investigações e da denúncia
oferecida.
Além disso, parte das acusações que foram apresentadas no dia de
ontem estão na competência da Suprema Corte.
Se o nome disso tudo não é golpe
será preciso inventar um outro mais forte para designá-lo.
Quem sabe: GOLPE
!
O conjunto acentua as tintas da crise estrutural vivida pela sociedade
brasileira em que ao esgotamento do modelo econômico se junta a falência de seu
sistema político que contaminou a isenção do judiciário, arrebatado agora por
centuriões que se avocam a tarefa de ‘corrigir o voto popular’.
Nenhum
simplismo de power point resolverá essa encruzilhada, diante da qual se joga o
destino brasileiro no século XXI.
A crise em curso requer uma repactuação
democrática da sociedade e do seu o desenvolvimento, razão pela qual não
encontra remédio no passado — e tampouco no anacronismo violento de um presente
espremido na restauração neoliberal que se pretende impor à nação.
Para
impedir que o Brasil escorra no ralo conservador é inadiável acelerar a
construção de uma frente ampla, assentada em forças populares e democráticas,
que se ofereça às ruas e às urnas como uma alternativa crível ao ajuste baseado
na liquefação da renda assalariada, na sonegação do futuro à juventude, no
atropelo da Constituição e do Estado de Direito
É o que já previa nos albores
do golpe a professora Maria da Conceição Tavares, em entrevista premonitória à
Carta Maior, que convidamos à leitura atenta nesta edição (‘Com Cunha ou sem
Cunha, com eles o Brasil vai para o ralo’).
Com ela, Carta Maior reafirma seu
compromisso de se constituir na caixa de ressonância da recusa à naturalização
do golpe e do arrocho ecoados pelo aparato midiático dominante.
Para exercer
esse papel, a mídia independente só conta hoje com um aliado: seus leitores e
leitoras.
Exortamos os democratas e progressistas a se tornarem parceiros
dessa trincheira, através da qual é possível acrescentar a palavra que falta no
power point do senhor Dallagnol: farsa!
http://aesquerdavalente.blogspot.com.br/2017/01/lula-inocentado-por-triplex-como-fica-o.html
http://www.imprensaviva.com/2016/08/petistas-ridicularizados-alegaram-que.html
ResponderExcluir