"A cólera é um cavalo fogoso; se lhe largamos o freio, o seu ardor
exagerado em breve a deixa esgotada." (William Shakespeare)
Nesses dias de profunda tristeza, que nos levam a temer pelo futuro do nosso
povo e desse extraordinário País, e depois de ouvir de perto o choro de um homem
perseguido pelo ódio, pela calúnia e pela infâmia, me veio à lembrança uma cena
singela que há 14 anos acendeu em mim a esperança que agora tanto me atormenta.
Falo daquele abraço que o recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva
deu no então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Nelson Jobim, durante a
solenidade de diplomação. Era dezembro de 2002. Naquele simbolismo ficou a
imagem do operário buscando socorro nos braços de um Poder supremo para conter a
emoção. "E eu, que durante tantas vezes fui acusado de não ter um diploma
superior, ganho o meu primeiro diploma, o diploma de presidente da República do
meu país", disse Lula.
Lembro-me também do primeiro pronunciamento do presidente logo depois de
eleito, quando anunciou, para fascínio de milhões de brasileiros e espanto dos
privilegiados de sempre, que o governo criaria um ministério para combater a
fome no País. Foi, de verdade, o começo de uma nova era.
Com o programa Fome Zero e o Bolsa Família, Lula e o PT deram início a uma
verdadeira revolução social que se estendeu por todos os rincões dessa nação.
Mais de 35 milhões de pessoas saíram da miséria absoluta. Pais e mães viram seus
filhos desfrutarem de três refeições por dia, coisa que nunca haviam
experimentado antes.
Da mesma forma, milhares de jovens obtiveram acesso à universidade e a cursos
técnicos abertos em localidades até então desprezadas pelo poder público. Também
por 13 anos, milhões e milhões de trabalhadores puderam ser enquadrados na
categoria de consumidores de verdade, graças aos aumentos reais do salário
mínimo que ainda proporcionaram dignidade a outros milhões de homens e mulheres
aposentados.
Mas não foi só isso. Ao contrário do que pregavam os engravatados da Wall
Street tupiniquim e seus apaniguados, Lula e o PT também estabilizaram a
economia, derrubaram a inflação que disparava e fortaleceram a indústria e o
setor de serviços. Da mesma forma, foi Lula que soube conduzir o País durante a
tempestade financeira de 2008.
Promovemos ainda uma das menores taxas de desemprego da história, geramos
confiança nos agentes econômicos, acumulamos reservas internacionais de mais de
US$ 300 bilhões e recebemos o grau de investimento que nos tornou um país
respeitável lá fora. O Brasil decolou e passou a ser protagonista no cenário
político e econômico mundial.
Tudo isso, porém, está ameaçado. A necessidade legítima e universal de
qualquer mandatário de buscar uma coalizão parlamentar capaz de garantir o
mínimo de governabilidade pelo bem geral corre o risco de naufragar quando o que
se encontra pela frente é um misto de oportunismo, pequenez, ganância e a falta
do mais simplório espírito público. Foi isso que aconteceu.
O PT cometeu erros, não negamos. Mas o maior desacerto pelo qual estamos
pagando foi o de nos permitir compor uma aliança política em que as chantagens e
os interesses escusos se sobrepuseram à construção de projetos que permitissem
avançar nas conquistas da população.
Durante séculos, a elite retrógrada e preconceituosa sempre compactou com o
que há de mais espúrio na política brasileira. Agora, na mais repugnante
orquestração golpista, essa mesma elite recorre à hipocrisia para destruir
aquilo que mais a ameaça: a ascensão do povo brasileiro ao papel que sempre lhe
foi negado, o de protagonista de seu próprio destino. Para isso, é preciso
destruir, sem piedade, aquele que moveu essa roda da História.
Lula está sendo massacrado porque o conluio das forças antipopulares não se
conforma com a possibilidade de o maior líder político de esquerda da América
Latina voltar a ser o "comandante máximo", o "maestro regente" e o "general",
isto sim, das transformações que o Brasil ainda necessita. Essas forças, que se
aliaram a setores cujos interesses eram inconfessáveis, mas que agora estão à
vista de todos, não admitem ser apeadas do poder pela quinta vez, em
2018.
Vale tudo. Vale humilhar o presidente e a sua família em rede nacional,
vale invadir a sua residência e vasculhar até o colchão do casal e vale montar
espetáculos pirotécnicos vergonhosos, impulsionados pela fraqueza da vaidade,
para formular acusações sem uma única prova. E, sobretudo, vale ajudar a
destruir a economia e as empresas nacionais que já foram severamente atingidas
pela crise política.
O Brasil está sem rumo. Que a cólera dos falsos heróis
da moralidade não espalhe ainda mais a devastação que a todos atormenta. Essa é
a minha convicção e a de muitos brasileiros de bem.
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/gleisihoffmann/256267/A-cólera-dos-falsos-moralistas.htm
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