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sábado, 15 de novembro de 2025

Brasil247: Entenda como Milei assassinou a indústria argentina

 Acordo imposto pelos Estados Unidos aprofunda assimetrias, elimina proteção produtiva e submete a Argentina a normas externas

O presidente dos EUA, Donald Trump, recebe o presidente da Argentina, Javier Milei, na Casa Branca em Washington, DC, EUA, em 14 de outubro de 2025 (Foto: REUTERS/Jonathan Ernst)

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247 – A política comercial adotada pelo presidente argentino Javier Milei acaba de dar mais um passo no desmonte da estrutura produtiva do país. A avaliação é do articulista Juan Garriga, do jornal Página/12, cuja análise revela que o acordo anunciado com os Estados Unidos replica um modelo pensado para economias muito menores e com baixa industrialização — algo que, segundo ele, corresponde a “um punhal no coração” da indústria argentina.

No texto publicado pelo Página/12, Garriga destaca que o entendimento segue o mesmo esquema oferecido por Washington a Equador, El Salvador e Guatemala: os norte-americanos mantêm os aranceles gerais impostos este ano, concedem exceções apenas em itens que não produzem e, em troca, exigem abertura profunda de setores estratégicos argentinos. Não há, segundo o articulista, qualquer benefício diferenciado ao aliado Javier Milei — a Argentina é tratada como parte de um pacote genérico de países que “entregam muito e recebem pouco”.

Abertura sem contrapartidas e perda de soberania regulatória

O ponto mais sensível apontado pelo Página/12 é o alto nível de assimetria. Enquanto Washington assegura a manutenção de seus mecanismos de proteção comercial, exige da Argentina compromissos em áreas sensíveis como normas sanitárias, trabalhistas, ambientais, digitais e de propriedade intelectual. Tudo sem especificar de forma clara quais vantagens concretas o país sul-americano receberá em troca.

O quadro se agrava, observa Garriga, porque o acordo impõe a adoção de normas e certificações dos Estados Unidos para alimentos, medicamentos, dispositivos médicos, veículos e produtos agrícolas — substituindo órgãos como ANMAT, SENASA e INAL e reduzindo a autonomia regulatória argentina. “Sob o pretexto de ‘padrões internacionais’, o país ficaria obrigado a aplicar normativas externas que ignoram suas prioridades produtivas e sanitárias”, escreve.

A Casa Branca, por sua vez, não abre mão de sua própria estrutura regulatória, preservando totalmente sua soberania.

Argentina nivelada por baixo e inserida na disputa geopolítica

Outro ponto enfatizado é que o modelo aplicado não considera as diferenças estruturais entre os países. Equador, El Salvador e Guatemala têm economias primarizadas e exportam bens que não competem com a indústria norte-americana. Já a Argentina atua justamente em setores onde existem disputas diretas — agro, siderurgia, alumínio, química e farmacêutica.

A ausência de estudos de impacto e de análise setorial coloca o país em risco, afirma o articulista. Além disso, o acordo busca transformar a Argentina em um mercado aberto para produtos norte-americanos ao mesmo tempo em que restringe a entrada de bens provenientes de “economias não mercantis”, expressão usada para limitar a competição chinesa. Dessa forma, o país acaba inserido passivamente na guerra comercial global.

Reações da indústria, do campo e da política

As primeiras reações já surgem em diversos setores. Na indústria farmacêutica, o diretor executivo da Cilfa, Eduardo Franciosi, afirmou que o setor apoia acordos equilibrados, mas ressaltou que o anúncio traz apenas orientações amplas: “Até que se conheça o texto final será difícil prever os impactos”, disse, destacando a incerteza diante de possíveis pressões sobre patentes e produção de genéricos.

No agronegócio, a Bolsa de Cereais de Buenos Aires valorizou iniciativas de inserção internacional, enquanto a Sociedade Rural declarou apoio preliminar, mas advertiu que aguarda os detalhes finais para medir os efeitos sobre a cadeia agroindustrial.

No plano político, as críticas são mais contundentes. O ex-diretor de Aduanas Guillermo Michel afirmou que “à Argentina chegou a fatura após o apoio norte-americano à campanha de Milei”. Já o ex-embaixador na China Sabino Vaca Narvaja foi categórico: “Se você perde a normativa interna, é uma cessão de soberania enorme. É uma lei de bases adequada aos Estados Unidos.” Segundo ele, o acordo replica a lógica da reforma estrutural interna, mas aplicada ao comércio exterior.

O economista Claudio Loser, ex-diretor do FMI, avaliou que não se trata formalmente de um tratado de livre-comércio, embora seja “o mais parecido” possível sem romper o Mercosul. Ainda assim, implica obrigações significativas sem criar mecanismos institucionais equivalentes.

A crítica mais dura vem do economista Jorge Carrera, para quem chamar o anúncio de “acordo” é um “abuso da linguagem”: “O que se assinou foi uma imposição unilateral: a Argentina aceita as exigências tradicionais e novas dos Estados Unidos para facilitar importações desde lá e melhorar sua posição competitiva frente à Ásia e à Europa.”

Consequências geopolíticas e o risco para outras negociações

Carrera alerta que o texto final pode conter cláusulas ainda mais onerosas e que, por ora, o que existe é um convênio de facilitação de importações norte-americanas, somado à limitação de importações de terceiros países. Ele questiona como a Argentina argumentará suas demandas na negociação Mercosur–União Europeia após aceitar condições tão assimétricas.

Para Garriga, a mensagem enviada ao mundo é clara: o governo argentino está disposto a firmar acordos com mínima reciprocidade, mesmo em temas centrais de sua economia.

Um gesto político que cobra seu preço

A análise publicada no Página/12 conclui que o acordo funciona como segunda etapa do apoio geopolítico recebido por Milei, após a intervenção do presidente Donald Trump durante sua campanha e do uso do swap bilateral. Agora, esse apoio se converte em um esquema comercial que aprofunda a dependência, reduz a autonomia regulatória e pressiona ainda mais a já fragilizada indústria nacional.

Segundo o articulista Juan Garriga, a soma desses elementos permite compreender “como Milei assassinou a indústria argentina” — não por um ato isolado, mas por um alinhamento automático e sem contrapartidas com os interesses de Washington.

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Fonte: https://www.brasil247.com/americalatina/entenda-como-milei-assassinou-a-industria-argentina

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