Prestes a ser condenado, ele deveria ser nota de rodapé, mas ainda é tratado como presidenciável ou cabo eleitoral de governadores sabujos
No enredo trágico da história brasileira recente, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que neste domingo voltou a ocupar a Avenida Paulista com mais uma encenação populista, deveria figurar apenas como nota de rodapé da crônica política nacional – sempre associado a seus crimes contra a democracia, ao negacionismo sanitário e à vergonhosa submissão a interesses estrangeiros. No entanto, a mídia corporativa brasileira insiste em oferecer a ele o protagonismo de uma ópera bufa que paralisa o debate público, bloqueia as urgências estruturais e sabota o futuro do país.
Bolsonaro, que liderou uma conspiração golpista amplamente documentada, já deveria estar prestando contas à Justiça – e não sendo tratado como presidenciável para 2026 por institutos de pesquisa ou como o “grande eleitor” de governadores sabujos, que rastejam por seu apoio. O escândalo é duplo: enquanto o sistema de Justiça avança sobre as provas incontestáveis do golpe, a imprensa o mantém nos holofotes como se fosse apenas mais um ator legítimo da política institucional. Nenhuma democracia madura toleraria esse tipo de validação pública a um político que atentou contra o regime constitucional. No Brasil, porém, manchetes e entrevistas tratam seus apelos por anistia – e até mesmo por “ajuda externa” – como se fossem desabafos de um patriota injustiçado, quando, na verdade, são declarações de traição à soberania nacional.
A submissão de Bolsonaro ao presidente estadunidense Donald Trump é um dos capítulos mais humilhantes dessa narrativa. O mesmo Trump que agora impõe tarifas de até 25% sobre produtos industrializados brasileiros – como aço e alumínio – é celebrado por Bolsonaro como líder de um suposto projeto civilizacional, e como sua última esperança de redenção pessoal, como se o Brasil fosse uma republiqueta colonial. É preciso lembrar que a guerra comercial deflagrada pelos Estados Unidos não se limita à China – ela é dirigida contra o mundo. Trata-se de uma ofensiva protecionista, imperialista e unilateral que busca conter a ascensão do Sul Global e implodir o multilateralismo. E o Brasil está na linha de tiro.
Nesse cenário, o país precisaria de um debate urgente e qualificado sobre reindustrialização, soberania produtiva e integração Sul-Sul. Mas o que faz a mídia tradicional? Em vez de se aprofundar nesses temas decisivos, insiste em dedicar atenção privilegiada à caricatura golpista de Bolsonaro e seus acólitos – transformando até mesmo a “cabeleireira do batom” em personagem de destaque da crônica política.
Enquanto o presidente Lula tenta formular uma resposta robusta aos desafios globais – estreitando alianças estratégicas com países asiáticos, como China, Vietnã e Japão, fortalecendo o Mercosul e defendendo sempre o multilateralismo em foros internacionais –, o jornalismo comercial ainda se ocupa de especular sobre os passos de um personagem que já deveria ter sido descartado pelo bom senso e pela História. Trata-se de um rebaixamento lamentável do debate público, que ignora as contradições centrais de um mundo em mutação acelerada e mantém o país prisioneiro de uma agenda irrelevante, voltada ao passado.
A tragédia brasileira, portanto, não se resume à figura de Jair Bolsonaro. Ela também reside no comportamento da grande mídia, que ao negar a ele o julgamento histórico e moral que merece, sabota o projeto de reconstrução nacional que vem sendo liderado pelo presidente Lula depois da destruição causada pelas jornadas de junho de 2013, pela Lava Jato, pelo golpe de 2016 e pelo choque neoliberal da era Temer-Bolsonaro. Ao normalizar o que é, na essência, uma aberração democrática, o jornalismo tradicional torna-se cúmplice do atraso, do obscurantismo e da submissão – não só a um futuro presidiário, mas a um projeto de destruição do Brasil como nação soberana.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
Fonte: https://www.brasil247.com/blog/a-midia-comercial-e-a-tragedia-brasileira-por-que-bolsonaro-ainda-recebe-atencao